Há uma certa histeria dos comentaristas políticos do país em função da possibilidade (quase certa, a essa altura) de o Supremo Tribunal Federal aceitar os tais embargos infringentes dos réus do mensalão. Muita gente escreveu insinuando que o simples fato de o tribunal prever um novo julgamento nos casos em que a votação foi apertada sugere um conluio, um esquema, põe fim à nossa chance de sermos um país civilizado e daí por diante.
Escolho para comentar, dentre tantos, o artigo de Arnaldo Jabor publicado em O Globo. O colunista diz que começou a escrever sobre o assunto e logo suas mãos tremeram. Nervosismo, diante do tema gigante que estava diante dos olhos. Em resumo curto, Jabor diz que a aceitação dos embargos infringentes é uma vitórias dos corruptos. Os tribunais, afirma ele, foram feitos para não punir os poderosos. E o recurso, caso aceito, só viria a provar isso.
Jabor afirma que os outros tribunais não contam com esse tipo de recurso. E que se o STF aceitasse os embargos infringentes estaria diminuindo seu próprio poder.
“Amanhã, Celso de Mello estará nos julgando a todos; julgará o País e o próprio Supremo. Durante o processo, qualificou duramente o crime como “o mais vergonhoso da História do País, pois um grupo de delinquentes degradou a atividade política em ações criminosas”. E agora?
Será que ele ficará fiel à sua opinião inicial? Ele fez um risonho suspense: “Será que evoluí?” – como se tudo fosse mais um doce embate jurídico. Não é.
Se ele votar pelos embargos infringentes, estará acabando com o poder do STF, pois nem nos tribunais inferiores como o STJ há esses embargos.”
Além disso, diz Jabor, o STF vai acabar com a sensação do país de que é possível, sim, mandar ara cadeia peixes graúdos. Ao fim, o articulista, aparentemente já conformado com o que parece ser o voto de Celso de Mello, se resigna. ” Ok, você venceu, Dirceu.” É a vitória dos corruptos bolcheviques, diz ele.
Eis o relatório.
O ponto mais importante para entender a argumentação de Jabor (e o caso todo) me parece ser quando ele diz que não se pode perder essa conquista (a condenação dos réus) por uma “questiúncula do regimento”. Já que os outros tribunais não têm os embargos infringentes, parece só uma chicana.
Mas não é uma questiúncula. Eu, como Jabor e como 99% dos brasileiros, não sei dizer ao certo se deve ou não haver os embargos infringentes. Porque se trata de uma questão técnica, para quem estudou Direito a fundo. Jabor ignora a possibilidade de se tratar de um embate jurídico. Mas é exatamente disso que se trata.
Não se pode, como ele sugere e como sugere tanta gente por esses dias, tratar de assuntos de Justiça como se fossem assuntos de política. O que está sendo decidido ali é como um tribunal deve julgar pessoas. Independente de quem sejam. É uma questão de decidir como é justo julgar. Mais do que isso: de saber como a lei do país ordena que as pessoas sejam julgadas.
Em uma sociedade civilizada, o linchamento de pessoas não é permitido nem defensável. E por uma boa razão: as pessoas têm direito a se defender, a ter o devido processo legal, a apresentar o contraditório. O contrário disso é a barbárie, é a justiça feita com as próprias mãos.
O STF existe exatamente para isso. Para dar a última palavra em assuntos complexos. Se resolvermos que o tribunal não pode decidir qual é a lei, nem pode julgar de acordo com a lei, queremos o quê? O sangue de alguém, simplesmente?
Não é o caso de defender os réus aqui. Tudo indica, e o próprio STF apontou isso, que se trata de uma quadrilha criminosa instalada no poder que fraudou o país. Devem ser punidos. Não se pode aceitar a impunidade, isso sim. Mas não é simplesmente isso que se quer. O que se pretende é que a punição tenha o caráter de vingança.
O que muita gente mais espera de todo o julgamento, de todo o caso, é ver a foto de José Dirceu algemado. Essa, sim, vai ser a foto do ano. Vai se espalhar pelas redes sociais como nunca se viu. É isso que não se quer esperar.
Mas não é possível passar por cima da lei nem dos tribunais. Não se trata de uma questiúncula. Jabor ignora, talvez propositadamente, o fato de que os outros tribunais não precisam desse tipo de recurso justamente porque de lá o recurso pode ir ao STF. Quem é julgado no STF precisa ter direito a algum tipo de recurso. E só pode ser ao próprio STF. Por isso os embargos infringentes.
Estamos todos cansados da impunidade. Queremos que os poderosos, quando for o caso, sejam punidos. É esse o caso: houve crime, que respondam por ele. Isso mostrará a maturidade de nosso país.
Mas sabe o que mais nos mostrará maduros? O fato de que a Justiça precisa ser feita do jeito certo. Não de qualquer modo, só para satisfazer a nossa ira e o nosso desejo de sangue. Caso contrário, logo estaremos decidindo tudo no tacape. Aí poderíamos dizer: “Ok, Jabor, você venceu”. É a vitória dos sanguinários.
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