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Rapaz tatuado na testa é vítima do discurso criminoso de “legítima defesa coletiva”

Garoto tatuado: Estado de barbárie. (Foto: )

A chegada do PT ao governo, em 2003, causou um fenômeno curioso: ser “de direita” deixou de ser visto como algo repreensível. E isso é bom. Toda sociedade precisa ter pensamentos opostos, e tabus desse tipo são tolos. Defender uma economia liberal ou ser conservador é tão válido quanto o seu oposto.

A derrocada ética do petismo e o processo de impeachment de Dilma (em paralelo com a Lava Jato) ampliaram esse processo. A direita que saiu do armário, que começou se assumindo tucana, passou a radicalizar. Os blogs de direita assumiram um discurso cada vez mais radicalizado e tentaram fazer com a esquerda aquilo que aconteceu com a direita na redemocratização: demonizar toda uma ideologia com base nos erros de um governo.

Tudo que possa ser minimamente visto como “de esquerda” passou a ser associado a “socialismo”, “comunismo”, “totalitarismo”. O que, evidentemente, é uma bobagem tão grande quanto dizer que todo mundo mais à direita é fascista (claro, também virou moda dizer que o fascismo é de esquerda).

Bolsa-família (uma ideia baseada no liberalismo econômico)? Coisa de comunista. Apoio a minorias (incluindo o repúdio a agressões)? Coisa de comunista. Querer que a lei seja seguida e que as pessoas que cometeram crimes sejam punidas conforme o Código Penal? Coisa de comunista defensor de bandido.

Legítima defesa coletiva

O discurso foi cristalizado pela jornalista Rachel Sheherazade, num episódio em que a população do Rio de Janeiro amarrou nu a um poste um homem acusado de crime (acusado informalmente, por quem estava lá). Ela inventou e levou ao ar uma teoria de que isso era uma nova ferramenta de defesa da população, cansada de ver seus direitos ignorados. Era a “legítima defesa coletiva“.

É a defesa da barbárie, claro. Mas em nome de um discurso antipetista, em nome de uma proposta discursiva que passou a render cliques, likes e elogios (em grande parte devido aos horrores praticados pelo petismo em Brasília), valia tudo. A apologia ao crime é ela mesma um crime. Mas Sheherazade e seus congêneres preferiram praticar a apologia e fazer o papel de mocinho que enfrentavam um suposto estado de caos.

É a justiça com as próprias mãos travestida de algo chique. É o Estado de Natureza, o todos contra todos, o olho por olho. Thomas Hobbes nos alertou séculos atrás. Sem passarmos disso, nossas vidas seriam sórdidas, brutais e curtas. Queremos voltar a isso?

Tentativa de recuo

Agora, quando os crimes em nome da tal legítima defesa coletiva ficam cada vez mais evidentes, com gente tatuando a testa de alguém que nem se sabe se, afinal, cometeu ou não (as únicas testemunhas são os homens que o torturaram), há quem tente recuar do discurso.

Mas a tentativa é tão pífia que não se sabe o que fazer com tudo o que já disseram. Uma das tentativas, de tão atrapalhada, disse que o bandido (cadê as provas de que o rapaz tentou roubar algo? Ou ele pode ser julgado só porque dois homens disseram que ele é bandido?) poderia, nos Estados Unidos, ter sido recebido a bala. Aí sim. Mas que tatuar depois de ele já estar sob controle não podia.

Essa, aliás, teria sido uma possibilidade mas “inteligente” do ponto de vista dos torturadores. Como o garoto aparentemente não tem ninguém poderoso ao lado dele, é moreno e parece ser pobre, se tivessem atirado nele e dito que era por causa de uma tentativa de roubo, os dois estariam livres. E nem se falaria no caso. Tanta gente faz isso… Até autoridades públicas.

Mas do jeito que foi, causou constrangimento para quem vinha falando que o certo é nem ligar para o 190. Que é preciso armar de novo a população “de bem” para se defender contra os bandidos. O caso do tatuado na testa mostra bem quão difíceis ou tortuosas podem ser essas fronteiras.

Quem é o bandido? Quem é de bem? Quem devia estar armado ali?

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