No corredor entre dois grupos de manifestantes, a senhora, pele negra como em Curitiba quase só se vê em haitianos, grita a plenos pulmões: “Hoje é dia de comer coxinha!” Parece só um trocadilho, mas não é: ela está realmente aproveitando a hora do almoço para vender salgadinhos a R$ 2,50 cada. A coxinha dentro do isopor parece boa; na verdade, a melhor opção de salgadinhos na praça, talvez. Mas claro que ela também dá suas risadas quando perguntam se a “coxinha” tem duplo sentido.
Na hora do almoço, a imensidão de manifestantes, já cansada dos discursos pró-Lula, aproveita para relaxar e para comer o que dá. Os que vieram de outros estados para apoiar o ex-presidente em seu depoimento a Sergio Moro – que ninguém ali verá – não parecem ter muita grana. Apelam mesmo para o cachorro-quente e o espetinho. Mas muita gente parece ter deixado a praça também para ir comer ali perto: da metade para trás, a praça está vazia.
Não parece que estejam ali os ocupantes dos 118 ônibus parados para averiguação nas rodovias federais. Mas tudo bem. Nem os políticos profissionais ficaram para o almoço. No palco, só figuras de menor destaque discursando. Nem o coro de “Olê-olá-Lula-Lula”, um clássico que sempre funciona, chega a decolar. A filha de Leminski começa a cantar com o marido. Nada.
Hora do descanso
O pessoal por enquanto quer é saber de uma conversa e de um descanso. A viagem foi longa e muitos dormiram em barracas. Ainda vão enfrentar a volta. Numa roda, o pessoal do movimento negro de São Paulo joga baralho, turbantes coloridos na cabeça. As cores, aliás, são o que mais chama a atenção na praça. Não é só o vermelho do partido.
Há uma multidão de tons de pele, mais do que em qualquer evento típico da cidade. E há as cores de cada bandeira, com destaque para o arco-íris dos movimentos em defesa dos direitos dos gays. Nos cartazes, muito apoio a Lula e também provocações a Sergio Moro (“Juiz parcial não serve nem pra gandula”, dizia um.)
E além das faixas do PT, da CUT e do MST – figurinhas fáceis em qualquer álbum de manifestação de esquerda – veem-se figurinhas raras. Uma delas raríssima: uma bandeira do PCO, o Partido da Causa Operária, que em Curitiba, segundo dados do TER, tem apenas oito filiados. E que, até onde se saiba, nunca foi visto nas ruas de Curitiba defendendo Dilma, por exemplo, na época do impeachment.
A praça parece um recorte de gente de todo o país. Só perguntando aqui e ali já se acha gente de Santa Catarina. Mato Grosso. Diz que há quem tenha vindo do Acre. César, curitibano esperto, sabendo que são todos uns desprevenidos quanto ao clima da cidade, já pôs no chão o seu paninho e estendeu sobre ele as capas de chuva. Por enquanto, vende a R$ 5. Mas já avisa que se chover vai a R$ 10. É o capitalismo na sua lei mais básica: oferta e demanda. O Che Guevara estampado nas camisetas talvez não quisesse que isso fosse assim.
Praça do povo
A Santos Andrade é um palco típico de manifestações políticas na cidade. Perde talvez para a Boca Maldita em eventos de primeira grandeza. O nome do local vem de um governador de mais de um século que enfrentou uma pindaíba no caixa público (a pendura não é de hoje); e que cortou o próprio salário até resolver o problema (o populismo também é antigo).
Nesta quarta, a praça não é dos curitibanos. Nem parece muito com um trecho de Curitiba, pelo menos não segundo os estereótipos. Até porque, segundo o estereótipo, a cidade é antipetista. E isso, ali, neste momento, parece quase inacreditável. Lula está em estandartes, em adesivos no peito e até na testa – literalmente na testa – dos manifestantes. Por enquanto todos num clima de paz (o helicóptero sobrevoa á toa o local).
Agora é esperar se Lula vem, como prometido. Ou então juntar as coisas e voltar cada um para o seu canto, com a imagem de uma Curitiba cinzenta como sempre no céu, mas curiosamente colorida por uma multidão de forasteiros.
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