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Mais mulheres na política reduzem o machismo? Nem sempre é assim
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Há várias propostas para aumentar a representatividade das mulheres no Legislativo e na política de modo geral – e não é para menos: a quantidade de cadeiras ocupadas por mulheres é muito inferior à porcentagem de mulheres eleitoras. Elas são mais de 50% da sociedade e cerca de 10% dos parlamentos.

No entanto, embora seja necessária, a formação de um Legislativo com mais mulheres por si só nem sempre irá representar uma sociedade menos machista – e nem sequer um Parlamento mais preocupado com as questões de gênero e com a situação feminina.

Um exemplo extremo vem da África, de um país que passou por um trauma grande o suficiente para abalar toda a sua vida social. Ruanda foi palco de um genocídio étnico há pouco mais de vinte anos. Cerca de 10% da população foi assassinada. Outros milhares fugiram por medo da morte. O país ainda se meteu em uma guerra regional de grandes proporções contra o Congo.

Ao final do genocídio e dos conflitos, as mulheres acabaram sendo chamadas para assumir postos que normalmente eram exclusividade de homens. Uma situação que conhecemos de outros lugares: as duas guerras mundiais tiveram efeito semelhante na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo.

Hoje Ruanda tem o maior índice do mundo de mulheres no Parlamento nacional: são 64%. Mas ao mesmo tempo espera-se que elas mantenham a mesma postura tradicional de submissão aos maridos. Uma pesquisadora local comprovou isso entrevistando as mulheres que ocupam cargos relevantes.

A entrevista com Justine Uvuza foi divulgada no podcast Invisibilia, na NPR, a rede pública de rádios dos EUA. E ela conta que, antes de mais nada, teve de prometer Às entrevistadas que destruiria as fitas de entrevista e as folhas com as respostas.

“Uma delas me disse que o marido esperava que ela engraxasse os sapatos, pusesse água no banheiro para ele no banheiro e passasse as roupas.” De manhã, os sapatos dele tinham de estar do lado da cama, com meias selecionadas e separadas dentro dos sapatos. E cogitar passar essa tarefa para uma empregada ou pedir que ele fizesse algo a mais era impensável.

Mas a situação é bem mais grave. Várias deputadas, por exemplo, apanhavam em casa e eram ameaçadas pelos maridos. Mas justamente por serem deputadas, por estarem expostas publicamente, não se viam em condições de denunciar, porque isso prejudicaria suas carreiras.

A discussão que isso suscitou no país foi o porquê de essas duas condições conviverem na sociedade ao mesmo tempo: por um lado, algo que parece ser um empoderamento da mulher; por outro, a continuidade da submissão.

E aparentemente a resposta é que a mudança de situação não veio acompanhada de uma mudança cultural. A mudança foi causada por um evento circunstancial, forçada pelos fatos. Se impôs de fora para dentro. Mas não teve origem num verdadeiro sentimento de que as mulheres eram dignas de certo reconhecimento.

Em Ruanda, dizem as entrevistadas, o que se espera é que as mulheres ao assumirem certas funções façam aquilo que, por um acaso, se tornou necessário para o bem do país. Mas nunca que pensem nelas mesmas: numa carreira, em ganhos para si ou para as mulheres. Não se trata em nenhum momento de feminismo. Nem de um movimento.

Evidente que se trata de um exemplo extremado, mas que pode servir para reflexão para outros países. O mais importante continua sendo, como sempre, a mudança de cultura. E dar mais cargos para mulheres pode ajudar nisso. Mas, por si só, não resolve um problema de vários séculos.

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