Por falta de palavra melhor, chamemos de entrevista a simpática conversa entre o jornalista Reinaldo Azevedo e o presidente Michel Temer. De fato, entrevista não foi, pois isso pressupõe que alguém faça perguntas a outra pessoa. E ali não havia muitas perguntas: havia apenas uma conversa fraterna em que uma parte pede que a outra repita e enfatize o que já se disse até ali.
Azevedo é um símbolo da crônica política no país, por vários motivos. Em primeiro lugar, por seu absurdo sucesso. Em segundo, por ter se tornado um símbolo do antipetismo quando o PT era poder. E agora, mais recentemente, por ter se transformado no maior defensor do governo (de novo, não há termo mais adequado) de Michel Temer. Assim como tudo que Lula e Dilma faziam era escrachado por Azevedo, tudo o que Temer faz vira motivo de odes e loas.
A conversa já começa torta. O presidente supostamente ligou para a BandNews para falar com o jornalista. Entrou assim, ao vivo, com a maior intimidade. Claro que Temer ligou porque Azevedo estava, como sempre, defendendo o presidente. E porque sabia que iria ser tratado a pão de ló pelo “repórter”. Como, na verdade, foi desde o primeiro instante. Assim que passa a conversar com Temer, Azevedo avisa que não vai perguntar sobre o fato de um sujeito que esteve entre seus principais ministros ter sido preso naquele mesmo dia. Pra que incomodar o presidente com essas coisas?
Tristinho
Daí em diante, a coisa só degringola mais. Azevedo quer saber se Temer está abatidinho. Se está tristinho. Temer diz que não. Está animadinho. (Parece conversa de namorados em começo de relacionamento. “Tem certeza? Você tá tão pálido…” “Nada, mas obrigado por se preocupar.”) Depois Azevedo, passional como sempre, parte para uma defesa pura, simples e descarada do presidente – que, vejam só injustiça, está sendo alvo da procuradoria depois de seu principal assessor ser pego correndo pela rua com uma mala de meio milhão em propinas.
A desgraça toda da história não para no trabalho chapa-branca de Azevedo. Começa lá atrás, quando uma história exatamente igual certamente teria levado o mesmo jornalista a estrilar e pedir a cabeça da presidente. Porque Azevedo não está nem aí para os fatos, nem para a legalidade, como sempre diz. Desde o princípio foi um panfletário, interessado unicamente em levar o PSDB ao poder. E que entrou em pânico ao ver que o antipetismo que ajudou a gerar criou figuras muito mais à direita do que ele que agora não se contentam com os tucanos – e querem o extremismo derrubando Temer.
Delegacia, não!
Azevedo virou uma figura patética a partir do momento em que começou a dizer que a Lava Jato, antes tão elogiada por ele, não podia transformar o Brasil numa grande delegacia (ou seja, seguir investigando governantes agora que seu povo tinha chegado lá). Comprou briga com o que ele chama de “direita xucra” ( e que é, de fato, uma bela definição), mas não por ser xucra, e sim por estar indo contra seu interesse partidário.
Azevedo está para o governo Temer assim como os blogs picaretas de esquerda estavam para Dilma e Lula. Lembrar que os petistas viviam dando entrevistas “coletivas exclusivas” para “blogs progressistas”? Ficava tudo em casa, só entre amigos. Azevedo é o mesmo, só com sinal trocado. Ou alguém acha que Temer ia se arriscar a começar uma conversa ao vivo com um âncora de instinto jornalístico de verdade? Um Casoy que fosse, ou um Boechat? “Peraí que vou ligar e falar com ele ao vivo.” Não mesmo.
A desgraça de parte de nossa imprensa tem sido essa: a de eleger um lado e sair defendendo tudo o que vem de lá – e demonizando seus oponentes. Vale para Azevedo, pale para seus opostos da esquerda, vale para a direita xucra. Deixar os fatos e a crítica saudável em segundo plano (inclusive a autocrítica) é o caminho para a militância e o fanatismo. E para manter no poder governos medíocres como os que temos tido.
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