Muita gente ficou chocada com o fato de algumas mulheres, especialmente na França, terem produzido um inusitado documento criticando as americanas que se opuseram ao assédio de Hollywood. Claro, para muita gente, que quer colar nas atrizes que denunciaram o assédio o rótulo de histéricas, foi uma bênção: se até mulheres estão dizendo que foi exagero…
É claro que cada situação é diferente da outra. E a argumentação de todos os lados deve ser ouvida. E, sim, pode ser que alguém, em algum momento, até venha a exagerar e confundir um flerte com assédio (embora, convenhamos, normalmente o que parece assédio seja de fato assédio).
Mas não deixa de ser curioso lembrar, apenas como contribuição no meio de todo esse debate, que não é a primeira nem será decerto a última vez que mulheres se posicionaram contra um possível avanço nos direitos femininos. Pelo contrário: em praticamente todos os momentos desde que o feminismo surgiu, houve mulheres se opondo às suas ações.
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E não estamos falando aqui nem mesmo das questões mais polêmicas, como o aborto. O caso começa, de fato, na “primeira onda” do feminismo, quando tudo o que as mulheres estavam pedindo era o direito de votar. De exercer sua cidadania.
Neste momento, em fins do século dezenove e começo do vinte, quase nem se questionava o resto: as desigualdades no casamento, a situação de dependência financeira da mulher (em muitas vezes simplesmente proibida de “trabalhar fora”), o direito de determinar seu próprio destino… Era uma mera questão de reconhecimento do direito da mulher de votar e ser votada. De ser vista como uma adulta capaz de tomar decisões.
Não é “natural”
Mesmo neste primeiro momento, que hoje para nós parece tão simples de decidir (embora não duvido que haja alguém por aí disposto a falar contra o voto feminino, nem que seja para ganhar uma celebridade instantânea nas redes sociais), havia mulheres se opondo a este avanço.
Houve, de fato, movimentos de mulheres contra o voto feminino. Havia militantes, como Kate Roosevelt, nos Estados Unidos, que consideravam o voto feminino “simplesmente desnecessário”. Outras, como Minnie Bronson, que viam o voto das mulheres como “um experimento perigoso”.
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Entre os argumentos, estava a velha teoria de que, para as mulheres, não era “natural” participar da vida política. Elas nasceram para o lar, para ser mães. Outro argumento dizia que o voto era um peso a mais para as mulheres, já tão cheias de trabalhos domésticos e preocupações com o lar.
É claro que, cem anos depois, a discussão é totalmente diferente. Mas o que está em jogo ainda tem muito a ver com o que as mulheres começaram a conquistar quando puderam finalmente votar. É uma certa proteção contra uma sociedade em que, não há dúvidas, os homens têm privilégios e as mulheres, de certa forma, se veem obrigadas a se submeter a tratamentos injustos.
Todas histéricas
Antes, as histéricas eram as mulheres que viam como injustiça a impossibilidade de participarem das eleições, a impossibilidade de serem eleitas. Aquilo era tão natural, para que mudar? Depois, histéricas foram as feministas que exigiram respeito, salários iguais, o direito de poder controlar o próprio corpo. Para que, diziam seus oponentes, se a mulher não nasceu para isso? Só para tumultuar o que ia tão bem?
Em todos os momentos, os oponentes dos direitos novos das mulheres ganharam a companhia das próprias mulheres. Em geral, segundo uma teórica, normalmente de mulheres que estavam em posição mais confortável e mais próximas de posição de poder na sociedade.
Agora, mais uma vez, colunistas sociais falam que toda mulher deveria ser assediada três vezes ao dia; e atrizes famosas afirmam que há uma certa histeria na luta contra o assédio.
O filme que estamos vendo é muito, muito mais velho do que se imagina.
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