Golpe não é. Não só porque não há tanques na rua – seria tolice imaginar que essa é a única possibilidade de golpe. O impeachment de Dilma é bastante defensável, e não só por quem é golpista, e não só por quem é maluco. A lei prevê o impedimento e os procedimentos estão sendo seguidos.
Golpe não é. Dizer que é golpe é um instrumento de retórica, válido, mas pouco crível, Collor caiu por menos – e não foi golpe. Para crer na tese do golpe, como diz o professor Daniel Medeiros, é preciso acreditar que são golpistas: a Câmara, o Senado, o STF, a Polícia Federal, a procuradoria da República, a OAB, a imprensa, a classe média.
Não há uma ruptura institucional. A Constituição seguirá a mesma. O vice assume. Há eleições cuja data todos sabem desde sempre. A imprensa funciona. Não há censura. Quem está votando são representantes legitimamente eleitos. Não é golpe. Mas, convenhamos, o processo inteiro foi muito esquisito.
Dilma está sendo expelida pelo conjunto da obra. Vê-se isso nos próprios discursos (disfarçados de perguntas) dos senadores. Paulo Bauer foi uma exceção, por exemplo. Questionou, vejam só, sobre os decretos! Mas em geral os senadores falam sobre a economia. Golpe foi não construir uma estrada prometida em Mato Grosso, disse um. E a economia? Avança outro.
Isso não pode ser motivo de impeachment. A Constituição não prevê afastamento de presidente que gere mal a economia, nem de quem deixa de fazer uma estrada, ainda que com promessa registrada em cartório. O que está em jogo, pelo menos oficialmente, são alguns poucos decretos de suplementação de crédito. O Plano Safra. As dívidas com bancos.
Admita-se: ninguém seria afastado por isso. Lula, quando pego no Mensalão, continuou seu caminho sem ser incomodado. FHC, com a emenda da reeleição, seguiu no posto por quatro anos, mesmo com deputados admitindo receber dinheiro ilícito para votar. Dilma está sendo cuspida da Presidência por outras coisas.
Por Pasadena. Pela Petrobras. Pela fraude nas contas da eleição. Pela economia ruim. Pela inflação. Pelo desemprego. Pela baixa das commodities no mercado internacional. Pela perda da receita da CPMF. Pelos acordos com o PP. Por ter perdido a eleição para Cunha. Porque o brasileiro não consegue mais comprar o que comprava – o que vai acima do pão, inclusive a passagem para Miami.
Mas nada disso pode ser objeto de impeachment, a não ser que se prove crime de responsabilidade. E isso não foi provado. Pegaram o que deu: uma escapadela aqui, outra ali. Um jeito de burlar as contas. Nada que em outros tempos ou com outros presidentes levasse a uma queda.
Mas, como sempre se soube, aos amigos se dá tudo. Aos inimigos, reserva-se a lei. Dilma nunca foi amiga dos senadores, nem dos deputados. Resolveram usar com ela a mais dura das leis. Não é golpe. Mas ficou ali, na beiradinha, algo entre o forçado e o muito esquisito.
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