Muita gente entendeu o relatório da Oxfam como um ataque ao capitalismo. Sabe qual? Aquele relatório que diz que oito pessoas têm tanta riqueza quanto metade da humanidade (a metade mais pobre, claro). Se a intenção da Oxfam era ou não atacar o capitalismo, sabe-se lá. O que dá para ter certeza é de que era um ataque à desigualdade imensa e crescente. Mas será que capitalismo e desigualdade são sinônimos eternos?
Há quem pense que atacar um é atacar o outro. E dos dois lados do debate. Quem acha que o capitalismo está na origem de todos os males, aproveitou o relatório como prova de que o sistema simplesmente não funciona. Já o pessoal da direita encucou com a metodologia (podem estar certos) e determinou que falar nesses termos só confunde o debate: o importante não seria a desigualdade em si e sim as “condições objetivas” dos mais pobres.
Ou seja: Se todo mundo tem o que comer, tanto faz ter miliardários que possam comprar o Central Park e usar como parquinho para os seus filhos. Quem não concorda com isso está só deixando de entender que o capitalismo dá chances para todos e que a desigualdade é um fato da vida.
Claro que, como em todo debate, todo mundo tem um pouco de razão. Mas sempre é bom desconfiar da nossa razão – e da dos outros. E há motivos para desconfiar que os dois lados também estão errados.
Os defensores do capitalismo têm certa razão quando dizem, por exemplo, que a desigualdade é parte do jogo. O único modo de acabar com toda desigualdade é forçar todo mundo a ser igual. O que é impossível. E mesmo que fosse viável, exigiria um tipo de opressão que ninguém estaria disposto a aceitar.
Um pouco de desigualdade faz parte. O problema é o tanto. Porque, embora seja verdade que o capitalismo surgiu como um modelo que abre mais vias de mobilidade social do que qualquer antecessor seu. Não há castas nem nenhum tipo de barreira formal ao desenvolvimento de alguém. O que foi, como qualquer um que conhece história vai admitir, algo revolucionário.
Mas, sim, apesar de ser um avanço o capitalismo tem problemas. E que podem ser minimizados. Portanto, constatar que a desigualdade é muito grande – e crescente – não deveria significar necessariamente pedir o fim do capitalismo nem nada parecido – e sim um aperfeiçoamento.
Há diversos países que conseguiram reduzir seu nível interno de desigualdade dentro do capitalismo. Os países nórdicos são o exemplo mais famoso – o Japão também consegue resultados parecidos, embora de outras maneiras. Há o Canadá. Todos países capitalistas e que têm os melhores índices de desenvolvimento humano do planeta – não por acaso.
A desigualdade em excesso, mostram estudos, não é boa nem mesmo se as pessoas mais pobres têm condições razoáveis de vida. E por vários motivos. O livro “O Nível”, publicado no Brasil pela Intrínseca, dá uma série de informações pertinentes sobre o assunto. Nos países mais desiguais, mesmo os mais ricos têm vida pior: há mais problemas de saúde, mais violência, mais casos de gravidez na adolescência, menos felicidade.
A desigualdade, quando excessiva, cria uma competitividade maluca; causa infelicidade aos que não conseguem mobilidade; traz insegurança aos que têm pouco; causa falta de segurança para os que têm mais. Aumenta níveis de estresse etc.
Mas o efeito mais perverso da desigualdade, evidente, é para os mais pobres, que começam com menos, especialmente quando a diferença é muito grande. Quem herda sai muito na frente de quem começa do zero, e se não houver mecanismos de diminuir essa diferença ao longo do percurso, a igualdade será apenas formal.
O livro de Thomas Piketty “O Capital no Século XXI” é uma aula sobre isso. Mostra como a desigualdade se manteve estável até o começo do século 20, quando algumas medidas que, veja bem, não destruíram o capitalismo, começaram a ser implantadas – tributação sobre herança, Imposto de Renda progressivo. Isso fez surgir u mundo um pouco mais igualitário. E pode ter salvado o capitalismo, na verdade.
Desde a invenção dos socialismos, o capitalismo se atenuou em vários momentos pelo risco de haver revoltas e perturbações sociais causadas por quem tinha menos – o risco da revolução foi iminente em quase todo país europeu em algum momento do século 20. O Estado de Bem –Estar Social e a social-democracia, em certo sentido, são frutos disso.
Mas há mais riscos. Principalmente políticos. Michael Sandel, o filósofo americano, lembra sempre que um dos grandes descontentamentos das democracias modernas se dá pela percepção de que não nos parece que o destino da nossa sociedade está de fato em nossas mãos. Está nas mãos de poderosos distantes de nós.
Não só os multibilionários como as grandes corporações põem um desafio à política. É evidente que essas pessoas e empresas têm um controle maior e um grau de influência infinitamente maior do que eu e você. Mesmo que “os de baixo” tenham o que comer, não estarão tendo uma cidadania decentemente igualitária.
Dizer que o capitalismo hoje precisa de reformas para evitar uma desigualdade muito grande, insuportável, não é a constatação de que o capitalismo jamais funcionará. É um alerta de que muita gente está enfrentando dificuldades. E que isso pode pôr em risco a nossa democracia.
Se esse não for um alerta importante, o que será?
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