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Há várias reações possíveis quando se ouve falar de mais um escândalo de corrupção no país. Acredito que a mais comum ainda seja a indignação. Mas presumo também que logo em seguida, como segunda reação mais provável, venha o enfado. Os casos são tantos que em certa medida nos acostumamos a eles. É normal que se abra o jornal e esteja lá mais uma denúncia.

Essas duas provavelmente dão conta de explicar o que acontece com a maior parte dos leitores e espectadores: indignação e enfado. Ou, como já se disse por aí: crítica e resignação. Mas existem ainda outras reações possíveis, normalmente ligadas a quem trabalha profissionalmente com política. Falo aqui dos próprios políticos, dos jornalistas, dos cientistas políticos.

Nesse caso, a reação é mais bem informada, mas também tende a ter mais viés. Exemplo fácil de entender é a reação do sujeito que faz oposição ao governo denunciado e que vibra com a notícia. Ganha câmeras e holofotes e vê reverberar a sua voz. ainda que no mês anterior ou mesmo um dia antes o seu partido tenha sido denunciado por algo idêntico. Faz parte do jogo.

Há políticos honestos que realmente ficam indignados? Ninguém está dizendo que não. Mas na maior parte dos casos trata-se de pessoas que conhecem o famoso “como as coisas funcionam” e que sabem que o seu lado do jogo apela ou apelou para o mesmo jogo, muitas vezes com os mesmos métodos e até, viemos a descobrir recentemente, com os mesmos operadores. Nada mais parecido com um luzia do que um saquarema, já se dizia no império.

No caso de observadores profissionais, como jornalistas e cientistas políticos, a reação pode ser outra ainda: o estudo do jogo faz com que as regras sejam conhecidas mais a fundo. Sabe-se, ou adivinha-se bem, o que pode estar ocorrendo. Entende-se qual a motivação. E quando vêm à tona os casos, o que se diz é que sempre foi assim, e que portanto não há motivo para escândalo, ou pelo menos para tanto escândalo.

Fica um pouco aquela sensação de que quem tudo compreende tudo perdoa. Ou de que, sabendo que o ser humano é sujeito a falhas, não teremos nunca como evitar que isso se repita, e é preciso sermos adultos e enfrentarmos os fatos da vida sem ficarmos numa estéril reclamação pueril sobre tudo que acontece à nossa volta. Discutem-se possíveis soluções, mas a indignação, aqui, é abafada pela frieza de quem enxerga tudo pela lente do microscópio, e não no meio do mundo real.

Tudo isso faz parte. Mas é preciso que o cidadão bem informado não caia nem na esparrela do sujeito que diz não saber de nada, nem no jogo de cena do adversário que fica rindo (mas só enquanto não chega a vez dele ir parar no noticiário). O discurso do acusador, muitas vezes, é tão hipócrita quanto o do acusado que tenta se desvencilhar das suspeitas com as desculpas mais absurdas.

Ao cidadão bem informado também cabe lembrar que sua indignação é santa (desde que igualmente bem informada), e que cair no enfado é um erro. Mas que ela é estéril se se baseia só em palpites e é três vezes mais danosa se só se volta contra um dos lados do problema. Porque a indignação seletiva é um delito comum na democracia e que precisaria ser banido: não vale se indignar só quando o caso é do time de lá e ficar arranjando desculpas ou colocando a culpa na imprensa quando é do time de cá.

Cabe ainda ao cidadão ouvir os especialistas e perceber que o jogo é jogado, e que certas coisas continuarão acontecendo. Mas depois é preciso tirar a lente do microscópio e lembrar que no mundo real é preciso agir com um pouco de sangue quente e, por que não, com um pouco de idealismo. Não na base do grito de guerra, do unidos venceremos ou do sentimentalismo. Mas racionalmente, elegendo pessoas sérias e tratando de fiscalizar, fazer o que precisa ser feito para melhorar as instituições, se informar e não ficar somente com uma versão dos fatos.

Nossas reações quando falamos de corrupção, e esse é o ponto todo do texto, normalmente são parciais e estéreis. Reclamamos sempre, mas protocolarmente e sem tentar entender a fundo o que ocorre. Nos indignamos seletivamente, como se simplesmente trocando Fulano por Beltrano a coisa fosse ser resolvida. O buraco é bem mais embaixo. A solução, se existe, é complicada. E só vamos chegar a ela se deixarmos de discursinhos fáceis e fizermos discussões como gente grande.

Sabe-se lá se seremos capazes disso.

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