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O ano em que todos nós nos odiamos

Ariane Leitão. Reprodução/Facebook.

Ariane Leitão, mãe que teve o atendimento a seu bebê recusado. Reprodução/Facebook.

Nenhum brasileiro adulto passou impune por 2016. Em algum momento fomos todos vítimas da raiva alheia – e em algum momento sentimos raiva de muita gente. Em 2016, nós, no Brasil, mal nos toleramos. Ainda bem que o ano acabou. Mas é difícil saber se com ele acaba a intolerância.

O processo de impeachment de Dilma, que nem foi dos mais longos, só aumentou o clima de ódio mútuo. Coxinhas e petralhas. Golpistas e comunas. Fascistas não passarão. Nossa bandeira jamais será vermelha. Cusparadas no Congresso e gente ameaçando sair no tapa pelas ruas.

Em Curitiba, um professor de história foi ameaçado de agressão física por dizer que Lula não merecia ser morto. Uma professora disse que os alunos de um colégio pareciam estar vestidos de fascistas – e foi caçada pelos pais deles, acusada de comunista. Em Porto Alegre, uma pediatra se recusou a atender um bebê (um bebê!) porque os pais dela eram petistas.

Muito se falou nesse ano sobre as instituições terem fracassado. Mas quando uma médica se recusa a atender um bebê por causa da filiação partidária dos pais quem está falhando não são as instituições, somos nós. Até porque não existem instituições que funcionem decentemente se as pessoas não se comportarem como cidadãos capazes de dar suporte a esse tipo de instituição.

Ou, em outras palavras, as instituições somos nós. E se as instituições estão fracassando é porque nós estamos fazendo alguma coisa muito errado. Se a democracia anda frágil por aqui em boa medida é porque nós não temos tido paciência para ter um comportamento realmente democrático.

Sempre que você escreve isso vem alguém dizer que é muita ingenuidade. Que só um ingênuo imagina as pessoas todas de mãos dadas caminhando rumo ao pôr-do-sol (incluindo nazistas e stalinistas, sabe-se lá) como se fôssemos todos habitantes de um mundo cor-de-rosa. Claro que não.

Mas é preciso que a gente tenha no mínimo uma certa paciência para ouvir quem pensa um pouco diferente. Quem vota no outro governo. Quem é a favor do impeachment quando você é contra. Quem é a favor do Bolsa Família, mesmo que você seja contra. Em geral as pessoas não são pérfidas, mas nos comportamos assim: se pensam diferente em alguma coisa, são como inimigos.

E o pior dessa crise, em termos de tolerância, é que muita gente, ao perceber que a democracia pode estar tendo dificuldades em resolver esses conflitos, prefere achar que o problema está no mecanismo, e não na nossa falta de habilidade (experiência?) em usá-lo. Como um jogador de fim de semana que não acerta uma e bota a culpa na chuteira ou na bola.

Sem política seríamos um bando de gangues com tacapes às costas esperando uma chance de nos livrarmos dos que querem nos atacar por morarmos num mocó um pouquinho melhor. Só o que torna o mundo habitável e civilizado é termos tido a ideia de inventar um modo de viver juntos com a possibilidade de resolver conflitos e diferença de maneira pacífica – no voto.

Se não quisermos voltar ao tacape, será necessário baixar a guarda e admitirmos que às vezes estamos errados. Que não temos todas as soluções. E que os outros, veja só, podem ter algo a nos ensinar.

Quem aí está disposto?

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