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O bode na sala

Publicado na coluna Caixa Zero, na Gazeta do Povo:

Todo mundo conhece a história da família que reclamava da casa apertada: muita gente, pouco espaço, o barulho alto das crianças, ninguém conseguia descansar. A segunda parte da história diz que alguém sugeriu que a solução era colocar um bode dentro da casa. Claro que tudo piorou. Foi o pior mês da vida de todos os moradores. Mas esse era o truque: quando tiraram o bode, até pareceu que aquela situação inicial era equivalente à paz celestial.

A reforma política proposta pela comissão de sábios do Senado poderá ter esse efeito, pelo menos. Se as mudanças sugeridas forem derrubadas em plenário, sentiremos o alívio de voltarmos à bagunça de nossa vida eleitoral atual. Parecerá que nossas regras são as melhores e mais justas possíveis.

Os senadores, na verdade, foram mais longe: colocaram vários e diferentes bodes na sala. Um deles atende pelo nome de lista fechada. Significa que o eleitor não pode escolher mais em quem vota para deputado ou vereador. Delega a escolha a um partido. E o partido decide quem fica no topo da lista para ocupar as vagas conquistadas.

Pensemos em apenas uma consequência nefasta que pode surgir disso. Supondo que um velhaco queira comprar hoje uma vaga no Parlamento, enfrentará pelo menos a dificuldade de pagar a milhares de eleitores. É um freio considerável para a desonestidade. No caso da lista fechada, o mesmo pulha precisará molhar a mão apenas a uns poucos burocratas partidários.

Mas não é só. Imagine o tal PSD, o “partido” que Kassab está montando. Ninguém sabe o que defende. O agrupamento não tem estatuto, programa e se orgulha de não ter ideologia. É um mero cartório para registro de candidaturas. Como o eleitor poderá votar em partidos assim, confiando na lista que organizarão?

Outro bode é o tal financiamento público de campanha. O PT insiste nisso e não poderia estar mais errado. Além de elevar o tamanho da conta que pagamos com nossos impostos, o sistema não impede nenhum chuncho, ao contrário do que se diz. Como afirma o pessoal da ONG Transparência Brasil, os candidatos continuarão interessados em receber e as empresas (pelo menos as que gostam de fazer lobby) continuarão tendo muito interesse em pagar.

A diferença entre o financiamento público e o sistema atual é que na proposta dos senadores o único caixa existente é o caixa 2. A opção da legalidade é eliminada: e quem quiser traçar as relações entre interesses públicos e privados não terá mais as doações oficiais como base. Estaremos todos no mato sem cachorro.

Por fim, os senadores ainda propuseram o bode mais estranho de todos. Aquele que prevê que 50% das candidaturas, nem mais nem menos, terão de ser de mulheres. A ideia de promover a igualdade de oportunidades é interessante. Mas dar chances iguais é bem diferente de obrigar as pessoas a se candidatar só porque deu na telha de alguém que qualquer diferença numérica reflete preconceito.

Os senadores têm nas mãos a chance de fazer nossa vida política melhor. Se quiserem desperdiçá-la, será de lamentar. Mas, como diz outra pérola da sabedoria popular, se não quiserem ajudar, pelo menos que não atrapalhem.

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