O juiz Sergio Moro diz ser uma frustração para a família. “Festa de fim de ano todo mundo quer perguntar de Direito de Família e Direito do Trabalho. E eu não entendo nada de nenhum dos dois.” Risos da plateia. “Agora, eles passaram a perguntar sobre o meu trabalho. Mas agora eu não posso responder.” Mais risos.
A brincadeira faz sentido porque Moro está falando para uma plateia de juízes do trabalho. É mais um dos inúmeros eventos para os quais Moro foi convidado desde que assumiu a Operação Lava Jato, em 2013. Quanto mais o caso cresce, mais o trabalho do juiz aparece. E mais ele é convidado para falar em eventos de todo tipo. Dessa vez, na segunda-feira (14), a aparição é na “Quinta Semana Institucional do Tribunal Regional do Trabalho”. E, como Moro anunciou desde o começo, ele não tem nada a dizer sobre Justiça do Trabalho.
Moro também diz que não sabia muito bem o que falar. E deixa claro que não tinha foi dele o título que puseram na sua palestra, marcada para abrir o evento. No papel, ele falaria sobre “Magistratura: gestão eficaz do processo, dos procedimentos e da interlocução com os atores sociais”. Mas Moro não quer falar disso. Então para que ele está ali? Depende do ponto de vista.
Para os juízes do TRT que o convidaram, a ideia era marcar o evento com uma presença “luminosa” e “fulgurante”. As expressões são do desembargador Celso Waldraff, encarregado de apresentar Moro. Assim como todos os outros na sala que usaram o microfone, o desembargador não poupa elogios a Moro, que chama de uma “referência mundial”. O clima é geral: juízes fazem fotos ao lado de Moro que, de lambuja, ao final da palestra ganha medalha e título de comendador.
Do ponto de vista de Moro, ele está ali para “contar uma história inspiradora”. Já que sobre a Lava Jato não pode falar, por risco de prejudicar o andamento do processo, prefere falar sobre máfia. E sobre um juiz que enfrentou a máfia. E sobre as dificuldades que isso traz. Durante pouco mais de quarenta minutos, conta a história do juiz italiano Giovanni Falcone, que comandou a investigação do famoso Maxiprocesso contra os mafiosos nos anos 1980.
“Sempre que enfrento uma situação difícil, gosto de reler sobre esse caso”, diz Moro. “Às vezes reclamamos de barriga cheia. Qualquer impressora que trava parece que é o fim do mundo. Então, quando estou numa situação difícil, penso que não é tão difícil quanto a que ele enfrentou.”
O resumo da história é que Falcone virou juiz na Sicília, terra da Cosa Nostra, em finais dos anos 1970. Seu papel era de juiz instrutor: não julgava, só juntava provas. Nessa função, conseguiu usar as confissões de um delator, Tommaso Buscetta, para pegar os chefões da máfia. Chegou ao capo de tutti capi. O processo ficou tão grande que foi preciso construir uma corte especificamente para que pudessem estar lá simultaneamente os 485 réus.
O final da história é trágico. Falcone foi assassinado pela máfia em 1992: ele usava escolta, mas a estrada por onde ele passava para ir do aeroporto até Palermo foi explodida. “Parece macabro, mas é importante ver os resultados obtidos com esse trabalho”, disse Moro. Para logo em seguida emendar. “Mas esse caso rumoroso em que eu trabalho tem muito mais a ver com o que veio depois, a Operação Mãos Limpas. E graças a Deus todos os juízes da Mani Pulite estão vivos”, disse, para novo riso da plateia.
(Vale registrar que do mezanino quatro sujeitos de terno, rosto impassível e em posições estratégicas observaram todos os passos de Moro pelo ambiente.)
Se a “história inspiradora” realmente inspirou a plateia é difícil saber. Mas a presença do juiz federal certamente empolga os colegas. Celso Waldraff, que presidia o evento, avisou que haveria um curto período para perguntas. A restrição de tempo se deve à agenda de todos, mas principalmente de Moro, “que deve ter algum tipo de depoente honorabile a ser ouvido lá na sua 13ª Vara Criminal”.
Todas as perguntas feitas depois da palestra começam com um longo prelúdio dizendo por que Moro é um exemplo para todos eles. As perguntas que se seguem têm todas relação com a Lava Jato – mas sempre com o cuidado de fazer a questão em abstrato, para que o juiz não comprometa seu trabalho.
Pergunta-se sobre prazos prescricionais – Moro diz que eles precisam aumentar. Sobre a necessidade de um juiz de instrução diferente de um juiz de julgamento – Moro afirma que no modelo brasileiro não há necessidade. Sobre a possibilidade de prender criminosos julgados em segunda instância – Moro explica por que é a favor.
Uma única pergunta foge ao script e cruza a fronteira da vida pessoal do juiz. Alguém quer saber por que, afinal, alguém com formação em direito administrativo, com mestrado e doutorado na área, foi parar numa vara criminal? Foi o acaso? Moro respondeu primeiro dizendo que, na verdade, começou pensando em se dedicar ao direito tributário. “Hoje eu sinceramente eu tenho muita dificuldade me lembrar por que eu gostava daquilo…” (Mais risos).
Mas, segundo Moro, o direito criminal o atraiu pelo seu aspecto “humano”. “Você tem contato mais intenso com pessoas. Não são só abstrações”, disse. E logo que a palestra se encerra, Sergio Moro tem mais contato com os juízes, que lhe entregam a comenda e o cercam para mais conversas. Curtas, é verdade. Logo o juiz deixa o evento. E volta à Justiça Federal, para tratar de seus honorabili.
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