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O erro dos médicos não justifica o governo. Nem vice-versa
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Agência Brasil - ABr - Empresa Brasil de Comunicação - EBC

A lógica binária continua a imperar nas discussões políticas no Brasil. Se há dois atores em cena em uma disputa, parece que a maioria das pessoas entende que necessariamente um dos dois está totalmente certo e o outro totalmente errado. É preciso escolher quem “está certo” e ir com ele. É preciso apoiar tudo o que ele disser e fizer, nem que para isso seja preciso fechar os olhos a muita coisa, e arranjar desculpas absurdas. Enquanto isso, tudo que vier do outro lado é absurdo.

Não há meio termo. E quem acompanha política a sério sabe que na maior parte do tempo ambos têm um pouco de razão – e também estão parcialmente errados. Não há santos e demônios. Enquanto não nos dermos conta disso, assistiremos a tudo como se fosse um jogo narrado por Reinaldo Azevedo ou Paulo Henrique Amorim, dependendo de qual “time” você escolha para torcer. Zero diálogo. Zero tentativa intelectual honesta de entender as coisas. Um horror.

Tudo isso para falar de novo do caso dos médicos cubanos. Escrevi sexta passada um artigo aqui criticando o governo por uma gestão absurda do problema da falta de médicos do Brasil. A solução, de trazer médicos importados de uma ditadura, pagando pouco a eles e mantendo suas famílias como reféns em outro país, é patética, antidemocrática e envergonha a nossa política. Mantenho tudo o que disse. Isso, porém, em nenhum momento quer dizer que os médicos brasileiros que repudiam a importação dos cubanos estejam certos.

O problema da falta de atendimento existe e é grave. Conheço gente que espera há um ano por uma solução no SUS. E não é para espremer espinhas: coisas sérias, que num atendimento decente não esperariam sequer um mês. Mas, como sabemos, há categorias diferentes de cidadãos no Brasil. E quem mora na periferia ou não tem dinheiro não tem direito a quase nada. Quem dirá a medicina de boa qualidade.

Os médicos brasileiros não necessariamente têm culpa disso. Pelo menos não cada um deles individualmente. Ficam onde pagam mais? Claro, estamos em uma lógica de mercado. Eles se formaram para ser profissionais, de preferência bem pagos, e realizar seus planos pessoais. Eles fazem juramento de atender bem, não fazem voto de pobreza. Seria hipocrisia querer que cada médico decidisse ir a um rincão distante, sem infraestrutura, material de trabalho nem condições decentes só porque outros não quiseram e a vaga está aberta. Seria lindo se agissem assim, mas quem de nós faria isso?

Os médicos como categoria, porém, têm culpa, sim. E grande. Assim como os governos que ao longo dos anos deixaram que o corporativismo da categoria se transformasse em um monstro, que impede a formação de uma quantidade decente de profissionais. Hoje, o que temos é um problema tipicamente econômico: muita procura e pouca oferta. Quem está no mercado escolhe o trabalho e cobra caro (muito caro). Quem não tem como pagar sofre.

Os médicos mantiveram a situação artificialmente porque era proveitosa para eles. Os governos não enfrentaram (inclusive os do PT). E deixaram a situação ir se acumulando. Agora, Dilam resolveu fazer tudo atropeladamente, como se a emergência tivesse aparecido ontem. Os petistas e seus acólitos aplaudem e não admitem críticas. Os tucanos e seu séquito repudiam igualmente sem pensar.

É o tipo do caso em que um erro levou a outro e em que a tentativa atabalhoada de resolver só acirrou ânimos (além de desrespeitar regras). Os cubanos aliviarão a situação? Provavelmente. E isso será bom para quem não tem atendimento. Mas não justifica que o país descumpra com princípios que deveriam em tese ser valorizados por todos nós

O governo agiu pensando em ser solidário? Pode ser. Mas não foi solidário com o povo cubano, que verá a ditadura de meio século sair mais uma vez fortalecida. Foi desleal com os médicos e deu a entender que democracia não é assim tão importante, um recado perigoso, principalmente tendo em vista a nossa história.

Para piorar, alguns médicos brasileiros se comportam de maneira inaceitável: caso do presidente do CRM de Minas, que disse que não vai socorrer erros de cubanos. O juramento é de prestar atendimento, salvar vidas, não causar mal. E isso tem de estar, no caso de um profissional, acima do resto. Eles que lutem na Justiça para reverter a situação. Mas se um médico deixar de atender ou ajudar um paciente que seja, deve sofrer as punições.

O erro do governo não justifica o dos médicos, e o contrário também é verdadeiro. E a série de erros grotescos dos dois lados só é piorada pelo nosso comportamento de torcedores de um lado e de outro. Não deveríamos ser nem governistas a todo custo nem defender os médicos independente do resto. Deveríamos defender princípios e pensar, caso a caso, o que está em jogo. Mas isso dá um trabalho…

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