Líder do governo do estado na Assembleia Legislativa, Ademar Traiano acaba de cunhar mais uma daquelas frases para as antologias da política local. Ao ser vaiado pelos servidores públicos que lotavam as galerias do Legislativo, Traiano afirmou em alto e bom som que “as vaias de vocês para mim não têm valor”.
Em primeiro lugar, não era verdade: a pressão dos servidores levou o governo a um recuo. Desistiu-se de empurrar goela abaixo uma terceirização branca da saúde sem sequer discuti-la. Ficou tudo para 2014. As vaias que “não tinham valor” obrigaram o governo a discutir o projeto antes de votá-lo, a não usar a velha tática de passar o trator nas últimas sessões do ano e deixar que o recesso acalme os ânimos e apague os rancores.
Em segundo lugar, a frase mostra um descaso típico dos políticos com a opinião popular. Traiano não é o primeiro a deixar escapar, num momento de supersinceridade, pérolas do gênero. Lembram-se do deputado que disse que iria votar como quisesse na Comissão de Ética da Câmara porque “estava se lixando para a opinião pública?” A ideia é a mesma: depois de eleitos, os parlamentares têm compromissos de todo tipo (com seus colegas, com os governos que defendem), e a grita da população às vezes deve ser simplesmente deixada de lado. Não tem valor.
Imagino que Traiano, que não tem muito jeito com as palavras, no fundo até estivesse querendo dizer outra coisa. Que os servidores eram ligados a sindicatos que tinham interesse partidário, por exemplo. Que eram uma claque, mais do que um grupo representativo da sociedade civil. Mesmo assim, o deputado precisaria, em primeiro lugar, saber se expressar. E, depois, saber que a participação de setores organizados é parte salutar da vida democrática.
Os deputados estão acostumados a galerias vazias e a fazer tudo sem sentir a exasperação do povo. Quando a população, por algum motivo, comparece às galerias, é sempre um fenômeno sociologicamente interessante. Alguns deputados que nunca usam a tribuna fazem seus discursos mais longos e populistas, na tentativa de causar impressão. E outros, encarregados da ingrata tarefa de defender medidas impopulares, acabam se exaltando e perdendo a linha.
No dia a dia, essa tarefa é ingrata mas tranquila. Os deputados, únicos presentes além da imprensa, acham tudo parte de um jogo que entendem e respeitam, até demais. Quando chega o elemento estranho, o povo, é que a coisa se complica. Quem diria. Nossos representantes não sabem conviver de maneira natural com a população que representam. Vá entender.