Coordenador do Observatório das Elites Políticas e Sociais do Brasil, o professor Adriano Codato diz que a estratégia adotada pela presidente Dilma Rousseff neste primeiro momento pós aprovação do trâmite de seu impeachment é a menos eficaz possível. Dizer que a presidente é honrada, afirma ele, de pouco adianta.
Mas se isso não adianta e o governo está sem verba “para controlar a base parlamentar”, o que resta a Dilma para evitar o impeachment? Segundo o professor, pelo menos três coisas: movimentos sociais, Judiciário e pressão sobre os parlamentares.
Veja abaixo a íntegra da entrevista com o professor, que trabalha no Departamento de Ciência Política da UFPR.
As cartas finalmente parecem estar na mesa. O PT precisa de um terço da Câmara para salvar a presidente. Como conseguir isso sem orçamento para fazer agrados aos deputados?
A pergunta, assim formulada, supõe que haverá uma posição única, daqui para frente, entre o PT (isto é, sua direção e seu cacique) e o Executivo federal, ou mais exatamente, o Planalto. Talvez resolvam, enfim, combinar as estratégias e jogar juntos. A ver. De fato, não há mais dinheiro para nada, nem para controlar a base parlamentar. A capacidade da Presidente em cobrar seus ministros para que esses garantam a fidelidade política dos seus partidos sempre foi próxima de nula.
Talvez, insisto aqui no talvez, pois a partir de agora haverá muitos lances ocultos, a estratégia do governo seja atuar em três frentes simultaneamente:
1) no Judiciário, visando impugnar a iniciativa do deputado Eduardo Cunha;
2) junto aos movimentos sociais e aos sindicatos com os quais ainda se pode contar para fazer frente às manifestações de rua que virão com toda a força pró-impeachment;
e 3) sobre os parlamentares, utilizando a pressão das “ruas” que o governo e o PT conseguirem mobilizar. De toda maneira, nessa altura do campeonato, a estratégia menos eficaz é repetir que a presidente é honesta e honrada, que não tem contas bancárias na Suíça etc. Isso só converte os convertidos.
Quais são as armas da oposição para garantir dois terços de votos contra a presidente?
Imagino que a partir de hoje a oposição parlamentar, o PSDB em primeiro lugar, comprará de vez a agenda dos movimentos que organizaram as passeatas de março, abril e agosto. O caminho, ou um deles, será apostar na pressão social de fora para dentro do Parlamento, confundindo, propositalmente, todos os problemas que o PT e o governo produziram e acumularam até aqui: corrupção eleitoral sistemática, favorecimentos pessoais em escala industrial, péssima gestão pública, deterioração dramática dos índices da economia nacional. Será estratégico, para a oposição, vender a ideia que se trata afinal de uma só crise – a moral, a política e a econômica – e que a única saída para ela é a destituição da presidente.
Existe o risco de o partido optar por estratégias ilícitas para garantir essa base? Podemos ter de discutir daqui a algum tempo a “CPI do Impeachment”?
Sempre há e o currículo do Partido dos Trabalhadores nessa área não tem sido exatamente um primor.
O sr. tem falado que o clima do país tem algo de “pré-1964”. O processo de impeachment reflete isso? Aumenta ainda mais a polarização?
Analogias históricas são arriscadas porque toda conjuntura de crise comporta não somente elementos muito diferentes entre si – atores, valores, interesses –, mas também uma forma muito própria de combinar esses elementos. Tendo isso em mente, penso que 2015 não é igual a 1964, ainda que se possam identificar, nas duas conjunturas, antes como agora, traços similares. Faço um inventário de memória, mas o leitor pode completar ou me corrigir:
1) paralisia decisória no Legislativo e impossibilidade de o governo formar maiorias sólidas e estáveis para votar sua agenda;
2) descompromisso das oposições com as regras do jogo constitucional (o impeachment, nunca é demais recordar, é contra “o governo do PT”, não em função, até o momento, de um crime de responsabilidade claro de Dilma);
3) ausência de coordenação de ações entre a Presidência da República e o seu partido;
4) instrumentalização da corrupção governamental (que existe) como arma na retórica política;
5) partidarização da imprensa;
6) alta polarização ideológica na sociedade;
e 7) crise econômica.
O militarismo e o anticomunismo são, ao menos até aqui, traços mais folclóricos do que estruturantes dos movimentos das oposições. Assim, todos esses elementos já contribuíram para transformar uma simples crise de governo (em fevereiro/março de 2015, depois da eleição de Cunha e das dificuldades em coordenar a base na Câmara) numa crise política aguda. Mas eu não penso (ou melhor, eu não desejo acreditar) que haja um risco de crise do regime político, isto é, da própria democracia. Há hoje uma armadura institucional muito diferente e um consenso social muito robusto sobre suas vantagens civilizatórias. O que continua a mesma é a irresponsabilidade das elites políticas.
Tem como dar um palpite sobre o que irá ocorrer agora ou isso é só futurologia?
Gosto sempre de repetir a máxima do Conselheiro Acácio: “As consequências vêm sempre no final”. No início da entrevista você usou uma expressão muito adequada: “As cartas finalmente parecem estar na mesa”. É certo. Contudo, trata-se de um jogo em que há uma quantidade tal de elementos de incerteza que toda previsão agora é impossível.
Até onde eu consigo ver, há:
1) muitos atores em disputa, pois a partir daqui não será mais uma batalha apenas congressual, já que entrarão em campo imprensa, movimentos de rua, facções parlamentares, cúpula do Executivo, governadores, bancadas, juristas, movimentos via redes sociais na Internet etc.;
2) múltiplos atores e com motivações muito diferentes entre si – recorde-se quem não se trata apenas de Cunha versus Dilma, mas de um jogo em que mesmo os principais líderes do principal partido de oposição, o PSDB, não têm, até o momento, um objetivo em comum;
3) atores com quantidades de poder incertas – quantos votos para cada lado?, qual a capacidade de mobilização de setores sociais pró e contra o impedimento?, qual a força para orientar a direção que o PMDB irá tomar?, etc.;
4) atores que são incapazes de controlar mesmo a regra do jogo, pois o STF pode, em algum momento, interferir no andamento do processo;
5) atores ocultos, cuja posição é muito difícil, para quem está de fora, como nós, estimar de antemão (associações empresariais, financiadores políticos, controladores de fundos públicos);
6) atores independentes (ou “incontroláveis”, como queiram), isto é, a própria Polícia Federal e os operadores da Lava Jato, cuja atuação é incerta e o vazamento de informações imprevisível.
Numa situação assim, em que cada lance de um ator pode ser obstaculizado por outro, seria preciso aguardar, no mínimo, alguns dias para avaliar a política que será seguida por cada um deles. Portanto, a imprevisibilidade se deve menos à incapacidade dos analistas e mais à falta de informações sobre os trunfos dos jogadores.
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