Dilma se foi. Para muitos, um alívio. Para outros, um golpe. Discutiremos por décadas o que isso significou e quais as consequências. Haverá tempo. Mas talvez o mais urgente talvez seja discutir o devemos fazer agora com o Brasil, que é muito maior do que Dilma. Muito maior do que o PT. E muito maior do que Temer.
Nos últimos anos, o governo brasileiro ia cada vez mais na direção de um Estado de bem-estar social. Sim, esqueçamos um pouco a corrupção, os desvios, os crimes. Houve méritos em todos os governos (assim como há defeitos em todos eles). E o PT teve o mérito de aprofundar políticas sociais que causaram, de fato, redução da desigualdade.
Não se tratou de uma invenção petista, claro. No governo Fernando Henrique, a estabilização da moeda já tinha sido um fator decisivo para a melhora do cenário econômico. A universalização do ensino básico e reformas estruturais também tiveram impacto, entre outras ações do governo – claro que os maniqueístas (ou mais exatamente metade deles) negará. Mas o próprio PT admite hoje que as privatizações tiveram efeitos positivos.
Mas, excetuada a outra metade dos maniqueístas, será difícil achar quem negue méritos nas políticas inclusivas do PT. Por exemplo, com a ampliação das políticas de transferência de renda e de renda mínima. Ou com o aumento do acesso ao ensino superior, por meio do ProUni. Mais recentemente, ainda, com o Pronatec.
A ascensão de milhões de brasileiros à classe média teve muito a ver com a sorte de um mercado em bonança? Sim. Mas houve políticas públicas que evidentemente beneficiaram esse processo. Só o Bolsa Família parece ter sido responsável pela diminuição da mortalidade infantil e até mesmo por um aumento na estatura média dos brasileiros mais pobres.
Há diversos outros exemplos, como o financiamento de casas populares, o investimento em ciência e a contratação de mais médicos para a população que depende exclusivamente do SUS. Sem falar em itens pontuais, como o aumento de bolsas de estudo de pós-graduação ou as políticas de inclusão ligadas a gênero e etnia.
Chegou a parecer que qualquer governo nos próximos anos, nas próximas décadas, teria de se manter mais ou menos no mesmo caminho, com o aprofundamento de uma social-democracia no país, com a garantia de que certa população que passou a ter acesso a direitos básicos continuaria, pelo menos, contando com os mesmos direitos e, quem sabe, ainda mais.
O que garantiria a manutenção desse caminho é o próprio pragmatismo da população, que impõe nas urnas o desejo de não perdeu o que demorou a conquistar. O PT ganhou quatro eleições assim. Três delas, inclusive usando a ameaça de que os direitos podiam ser retirados.
Com o tempo, até mesmo a oposição viável eleitoralmente cedeu. Aécio Neves em 2014 começou a campanha com um discurso mais liberal (em termos econômicos). O governo deveria se retirar ao máximo da economia, reduzir impostos, facilitar o empreendimento – a velha fórmula à direita. O slogan dizia que quem fazia o Brasil era você.
Apesar de candidatos menores terem insistido na visão liberal, o PSDB passou a se comprometer cada vez mais com a manutenção de políticas sociais aplicadas pelo petismo (algumas delas, verdade, criadas pelo próprio PSDB). Não parecia haver espaço para uma direita mais “pura”.
Isso, quer dizer, se tudo dependesse das urnas. Agora, descobrimos que havia um outro caminho – um atalho – para que esse projeto alternativo chegasse ao poder. E Michel Temer, autor do Ponte para o Futuro, parece disposto a fazer um governo à direita do que o PSDB jamais sonhou.
A reforma dura da previdência (necessária) é seguida de uma série de outras propostas que parecem reduzir, no longo prazo, acesso a bens básicos como saúde e educação. Os ministros foram dando o recado – com destaque para Ricardo Barros, cada vez menos interessado em defender reforços ao SUS e cada vez mais voltado à iniciativa privada.
Congelamento de gastos por 20 anos, revisão de direitos, diminuição da preocupação com programas de igualdade racial de de gênero (começando por um ministério “meritocrático” em que só há homens ricos e brancos). Tudo indica que o país caminha para reduzir o que de positivo o petismo trouxe, na esteira de FHC.
Parece que caminhamos para um modelo de governo em que cada vez menos o Estado terá papel de reduzir desigualdades, cada vez menos interferirá para evitar as injustiças que a loteria da vida causa. Os índices de desigualdade, que mostraram diminuição, poderão certamente refluir com esse tipo de política.
O governo do PT, tendo como pretexto as reformas sociais, apelou para a irresponsabilidade fiscal. O novo governo, sob pretexto de responsabilidade fiscal, tende a retroceder na garantia de direitos para a população. Corremos o risco de ficar sem uma coisa e de não conquistar a outra. Eis o desafio que o futuro nos impõe.
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