Da coluna Caixa Zero, publicada nesta quarta-feira, na Gazeta do Povo:
A cena correu o país: uma babá empurra um carrinho com dois bebês. À sua frente, os patrões, de verde e amarelo, participam da manifestação pelo impeachment de Dilma no Rio. Ela está de uniforme branco e é negra. Um belo símbolo da desigualdade social e racial do país, sem dúvida. Militantes e blogs contrários à manifestação aproveitaram a imagem para argumentar que se tratava de uma passeata de certa elite que não quer perder seus privilégios.
Há certa verdade quando se afirma que os protestos não refletem exatamente a composição do povo brasileiro – o Datafolha mostrou que 37% de quem estava na Avenida Paulista tem renda mensal de dez salários mínimos ou mais. É relevante para se entender o que ocorre no país. Mas a crítica que tenta desmerecer o protesto com base nisso pode ser mera ricofobia: imagine o argumento contrário, caso alguém reclamasse de um protesto porque havia pobres em excesso?
Em todo caso, a cena da babá é realmente um prato cheio para discussão do país, para discussão de desigualdade. Classe e etnia no Brasil andam juntos: a pobreza é mais escura do que a classe média. E o mero fato de haver tantos empregados domésticos é indicador de desigualdade. A comparação com o Brasil colonial, feijão com arroz no Facebook, é exagero. A comparação com a Suécia talvez seja mais ilustrativa.
Há-Joon Chang, professor de economia em Cambridge, mostra como em países mais desiguais as pessoas de classe média têm mais acesso a trabalhadores domésticos. Pelo simples fato de que os salários dos domésticos são baixos o suficiente para que se possa pagá-los. “Uma professora primária ou um jovem gerente de pequena empresa em um país rico jamais sonharia em ter uma empregada que dormisse no emprego”, diz o autor de 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo.
Os números são claros. O Brasil tinha no início da década 12 a 13 vezes mais empregados domésticos do que os Estados Unidos. O Egito, 1,8 mil vezes o número da Suécia. E, no Brasil, os números mostram que esse indicador só vem crescendo. A Pnad Contínua, do IBGE, mostra que de 2014 para 2015 a quantidade de domésticos subiu de 5,9 milhões para 6,2 milhões, mesmo com novas regras que tornam esse serviço mais caro. Isso num cenário em que o trabalho com carteira assinada (e mesmo o sem carteira em outros ramos) só caiu.
A explicação, diz Gilmar Mendes Lourenço, da FAE, é simples. A economia vai mal e quem está na parte de baixo da pirâmide perde mais do que quem está pouco acima. Com a desigualdade crescente, o salário da classe média fica proporcionalmente maior do que o dos mais pobres. Além disso, fechando vagas em lanchonetes e salões de beleza, as pessoas voltam a trabalhar como domésticas.
A desgraça do PT é justamente essa. Até recentemente, quando se via uma cena que lembrava as velhas chagas da desigualdade social e étnica do país o petismo podia discursar dizendo que caminhava para solucionar esses problemas. Realmente, até 2010, houve avanços, e ainda hoje há políticas nada desprezíveis. Mas o fracasso econômico jogou tudo por terra e o declínio tira o símbolo do partido. A foto, embora continue retratando uma realidade social, perde sua força na guerra partidária.
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