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O que o brócolis nos ensina sobre a tolerância

brocolis

O cartunista Benett é um gênio. Uma das reais contribuições da imprensa paranaense para o mundo. Faz charges políticas sensacionais, fez quadrinhos sobre o Congresso Nacional e a Assembleia Legislativa que mereciam moldura e voto de louvor, ou moção de aplauso, conforme a preferência de suas excelências. É um caso raro de irreverência verdadeira nessas terras. Mas o melhor, mesmo, são as tirinhas. Os personagens nos mostram nosso lado mais ridículo, de um jeito não muito sutil mas arrasador.

Dia desses, publicou uma tirinha sobre o caso dos beagles. Um cachorrinho lamentava o destino das vítimas do Instituto Royal quando aparecia um coelho que dizia que triste mesmo era a situação das crianças na África que perdiam as pernas em minas terrestres. No terceiro e último quadro, se apresentava: “Prazer. Raul, o coelho que joga a realidade na tua cara até você chorar sangue”. Escrevi 30 mil posts sobre os beagles. Em três quadrinhos, ele disse muito mais do que eu…

Mas estamos falando dele aqui por outro motivo. Pelos brócolis. Benett publicou na Folha de S.Paulo um cartum em que mostrava um garoto indignado porque a mãe havia colocado brócolis na comida. Com um galão de gasolina em mãos, partia para queimar um ônibus, enfurecido, em protesto. Era o black bloc em sua versão infantil. Coisa de gênio, como disse.

Pois bem, eis que um leitor, chateado com a brincadeira, escreveu para a Folha. Disse que o brasileiro em geral come poucas hortaliças e, lembrando que os vegetais nos fazem bem, cobrou o jornal por ter feito tão insensata crítica ao brócolis. Isso não é maneira de se construir cidadania!, parecia ser o grito do indignado leitor.

Claro: há bandeira para todo mundo. Não sabia da existência dos brocolistas, mas depois de tanto protesto estranho que já vi por aí, não me surpreenderia uma passeata em favor das hortaliças. Na verdade, seria um tema melhor do que o de muita passeata que já vi, mas isso fica para outro momento.

O ponto é que o fato de reclamarem de humor (sim, humor!) até mesmo quando trata de vegetais mostra o quanto estamos intransigentes. O politicamente correto chegou ao humor sobre a salada. Veja bem: não estou defendendo outros tipos de piadas como as feitas por ignorantes como Rafinha Bastos, ou o outro que brincou com a moça que doa o próprio leite para bebês. Isso deve mesmo ser criticado. Mas os brócolis!

Lembro um desenho dos Simpsons em que Homer morria justamente depois de comer brócolis. Diziam que aquilo parecia tão inofensivo, mas ele (acho que em espírito, não lembro), contava que não; o gosto já devia ter dado uma dica do que estava por trás daquela plantinha. Não toleraremos mais isso também?

O filósofo de que mais gosto, John Rawls, dizia que a sociedade é uma “união social de uniões sociais”. Num mundo em que cada um agarra sua bandeira e fica jogando pedras (ou vegetais) no sujeito ao lado só porque ele não está com a mesma bandeira, diria que corremos o risco de virar uma união social de torcidas organizadas.

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