Nesta terça-feira, o projeto que criminaliza a homofobia teve um revés no Senado. Os parlamentares que são contra o projeto conseguiram aprovar uma proposta que, basicamente, anula todo o esforço feito até agora – e que levou o projeto a ser aprovado na Comissão de Direitos Humanos – e joga o caso de novo para a estaca zero. A proposta foi apensada ao projeto do novo Código Penal, e tramitará junto com ele. O primeiro desafio será a discussão na Comissão de Constituição e Justiça.
Tudo feito dentro das regras. A bancada que é contra a criminalização usou suas armas e vai tentando acabar com a proposta. Fará novos esforços no ano que vem, e é provável que triunfe. A bancada religiosa (especialmente a evangélica) tem horror à ideia e fará disso seu grito de guerra no ano que vem. Será um embate interessante pare ver a quantas anda o respeito aos direitos humanos no país.
O difícil de aceitar na história toda são duas coisas. Uma delas, obviamente, é o fato de que no país ainda haja tanta gente interessada em negar direitos aos outros. A luta pelos direitos iguais demorou séculos para conseguir avanços, sabe-se que é sempre tumultuada. No Brasil, por exemplo, só faz oitenta anos que as mulheres podem votar. E pouco mais de um século atrás ainda era possível comprar pessoas dependendo da etnia a que elas pertencessem. Só há 25 anos proibiu-se por lei a discriminação dos negros.
Com os homossexuais, têm-se dado o mesmo que ocorreu nos outros casos. A maioria, dona do poder, resiste ao máximo a ceder quaisquer direitos e só o faz quando é inevitável. Hoje, porém, é mais difícil negar direitos. Ao longo desse tempo todo, foi-se construindo um arsenal legal e teórico que torna impossível para a maioria das causas um discurso sério de segregação ou de ódio baseado em características da pessoa. Mas o Congresso Nacional resiste, mesmo assim, em admitir que a sexualidade não pode tirar direitos de alguém.
O Judiciário já deixou claro que a Constituição brasileira – o tipo de sociedade democrática que a Constituição defende – não pode conviver com a discriminação baseada em orientação sexual. Se o sujeito é gay, tem o direito de se unir com alguém do mesmo sexo, de casar, de receber herança e outros benefícios. E por que não? Qual seria a razão para negar isso num Estado laico e que se pretende igualitário?
As respostas dos que são contra os direitos dos gays (contra os direitos em geral) passam por argumentos religiosos e morais. Os argumentos religiosos dificilmente podem ser levados em conta numa democracia se não forem transformados em argumentos políticos. Ou seja: se não tentarem explicar, de uma maneira que seja compreensível por todos, mesmo os que não compartilham daquela fé, por que aquela decisão (de negar direitos) é necessária para o bem da sociedade.
No caso dos argumentos morais, é difícil entender que moral é essa que se quer impor e que não nos torna iguais e dignos dos mesmos direitos. Numa democracia, só se devem negar direitos se eles atingirem outros direitos de outras pessoas. O casamento de dois gays não afeta em nada a vida de heterossexuais nem de qualquer outro grupo da sociedade. Não há por que negá-los, a não ser por preconceito ou por um estranho gosto de manter o status quo em nome da tradição. Costumes? Mas desde quando o Estado está aí para vigiar costumes alheios? E, mais, quem disse que certos costumes são “melhores” do que os outros?
No caso da homofobia há um componente a mais, é preciso admitir. O cerne do projeto é proibir que as pessoas sejam discriminadas por serem gays. Se a proposta fosse aprovada, não se poderia demitir alguém por ser gay; não se poderia expulsá-la de algum lugar; nem se poderia execrá-la publicamente em função de sua sexualidade. Difícil achar alguém que defenda a sério que isso é injusto. Todos temos direito de viver em paz, independente de nossa atividade na cama.
Mas há a liberdade de expressão e a a liberdade religiosa. O caso da liberdade de expressão parece mais simples de resolver: pois é óbvio que não se pode escrever algo que ofenda os direitos de terceiros. E é preciso ressaltar aqui que a sexualidade não é uma “escolha”. Ser gay é tão parte da pessoa quanto ser negro ou mulher. Ofender sua sexualidade como indigna é dizer que a própria pessoa é indigna. Pelo menos do ponto de vista civil.
No caso da liberdade religiosa, a discussão é mais complicada. Até porque alguém pode dizer que sua religião é tão inerente à pessoa quanto a sexualidade. Mas por isso mesmo abriram-se exceções para as igrejas no projeto, dando uma certa “imunidade” em templos e eventos religiosos para que a posição de cada confissão seja defendida livremente. É uma exceção e tanto, permitindo a homofobia mesmo quando ela prejudica a vida de pessoas inocentes. Mas foi feita. E mesmo assim quer-se negar direito aos outros por eles terem uma atividade sexual diferente.
Disse lá em cima que há duas coisas difíceis de tolerar na situação toda. Uma é a negação de direitos. A outra é a afirmação (ridícula, grotesca) de que, apesar de todas as provas em contrário, vivemos uma “ditadura gay”. Não se consegue nem mesmo garantir direitos iguais às pessoas e elas são acusadas de ditadoras? A ditadura, se existe, vem de outro lado. É a ditadura da maioria contra uma minoria que ainda não conseguiu o mínimo para que se evitem crimes diários contra ela.