Voltou-se a discutir em Brasília a possibilidade de instaurar o voto facultativo no Brasil. Um grupo de estudos que trabalha na possível (e improvável) reforma política fez a sugestão. Há dois motivos supostos de comemoração. Num deles, celebram os que não querem votar e preferem exercer o direito de ficar em casa no domingão cívico (ou até exercer o seu direito de pegar uma praia ao invés de ir à fila da zona eleitoral). De outro, os que acham que assim só votará quem se interessa, quem sabe das coisas, e que desse jeito a coisa vai.
O primeiro argumento depende do gosto de cada um. Todo mundo tem o direito de não querer votar, e realmente a democracia brasileira tem imposições de todo tipo: do Horário Eleitoral Gratuito à Voz do Brasil, do chamado para ser mesário até a obrigação de manter os partidos com nossos pobres dinheirinhos. Espernear contra tanta obrigação faz mesmo parte.
O segundo argumento é mais problemático. Antes de mais nada porque costuma se supor que os mais pobres são os que não sabem votar. Que votam só por obrigação, sem refletir, e acabam colocando trastes no poder. E os outros, ah, os outros têm que aguentar essa democracia de desinformados.
Pior: recentemente surgiu a teoria de que os beneficiários de programas sociais do governo não poderiam votar. É que seria um tipo de voto de cabresto. Trata-se de um mermo meme de Facebook. Mas não. Bate com a ideia antiga de que tudo que beneficia os mais carentes é eleitoreiro e, portanto, perverso.
Desbaratando primeiro o argumento mais sórdido: se fosse assim, quem recebe financiamento do BNDES também estaria impedido de votar. Quem ganha isenção de IPI, a mesma coisa. Qualquer um que tenha benefício da Previdência deixa temporariamente de ser cidadão e assim por diante. Ora, porque o Bolsa Família seria diferente? Por que é para os mais pobres? Não se discutirá aqui o Bolsa Família, mas não é honesto criticar o benefício apenas quando ele vai em direção aos outros.
De resto, há estudos de cientistas políticos mostrando que os pobres são muito menos “desinformados” sobre política do que se possa imaginar. Votam em razão de seus interesses, é claro. Mas isso é lícito e até razoável. Além disso, querer dizer que uma democracia sem participação dos mais pobres seria melhor é defender uma aristocracia. Coisa que, convenhamos, ninguém quer assumir com todas as letras.
Mas o resultado do voto facultativo, mesmo para seus defensores, pode sair ainda mais pela culatra. Quem disse que votariam só os “de interesse puro”? Pelo contrário: o sujeito teria algo para vender, rico ou pobre: iria às urnas só se lhe dessem um benefício direto e, esse sim, ilegal e imoral. Mais: supondo que a teoria seja certa e só alguns continuem a votar, teríamos uma desproporção na votação, com classes inteiras subrepresentadas.
Por último, o voto obrigatório tem uma defesa a mais. Em teoria, pelo menos, faz com que todos se sintam sócios e partícipes da democracia e se obriguem a pensar, pelo menos uma vez a cada dois anos, no tema. Do contrário, estaremos criando uma legião de desinteressados no futuro do país. Parece boa ideia?
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