30 anos antes de ser o articulador do fim da “sangria” da Lava Jato, o senador e ex-ministro do Planejamento Romero Jucá (PMDB-RR) assumia seu primeiro cargo no governo federal. Nomeado pelo então presidente José Sarney e indicado por Marco Maciel, ele se tornou presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Sua passagem na fundação, que durou quase dois anos, foi lembrada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). E não de uma forma elogiosa.
Segundo o relatório da CNV, a gestão de Jucá na Funai, órgão criado para proteger as populações indígenas, foi decisiva para a invasão de terras Yanomamis por garimpeiros. Pior: a gestão temerária, com o perdão do trocadilho, do principal aliado de Temer no Senado foi responsável pela morte de milhares de pessoas.
Tudo começou com a ampliação de uma pista de pouso em território Yanomami, em 1986. Diz o relatório:
“A Funai e os demais agentes públicos abandonaram a região, deixando a área livre para a ação dos garimpeiros. Não havia justificativas para a expansão dessa pista, uma vez que não havia pelotões de fronteira planejados para a região.
O impacto dos garimpeiros, que chegaram a cerca de 40 mil no final da década de 1980, foi devastador. Não há um número oficial de mortos em decorrência dessas invasões, mas se estima que chegue aos milhares. Comunidades inteiras desapareceram em decorrência das epidemias, dos conflitos com garimpeiros, ou assoladas pela fome. Os garimpeiros aliciaram indígenas, que largaram seus modos de vida e passaram a viver nos garimpos. A prostituição e o sequestro de crianças agravaram a situação de desagregação social.”
Mas a situação ficou ainda pior. Missões humanitárias que trabalhavam com esses índios, e que se tornaram particularmente essenciais em um cenário de epidemia e fome, foram acusadas de insuflar os Yanomamis contra os garimpeiros. E, Jucá, naturalmente, tomou o lado dos garimpeiros, determinando a saída desses missionários.
“Alegando reagir a denúncias que afirmavam que os religiosos estavam insuflando os índios contra os garimpeiros, Jucá determinou, sem averiguação, a retirada das equipes de saúde em meio a uma série de epidemias, sobretudo de gripe e malária, agravando ainda mais a situação. A expulsão dos profissionais de saúde, religiosos ou não, abarcou brasileiros atuando legalmente no interior da área indígena e se estendeu a regiões onde não havia presença de religiosos, contradizendo as acusações em que se basearam as decisões do presidente da Funai. Em decorrência dessa ação, a terra Yanomami permaneceu fechada por cerca de um ano e meio.”
(…)
“A inoperância da Funai na retirada dos garimpeiros, agravada pela expulsão dos profissionais de saúde, teve como consequência direta as mortes decorrentes de conflitos, que vinham sendo anunciados por telegramas enviados à sede do órgão indigenista pelos sertanistas locados na TI e que foram sistematicamente ignorados pelas instâncias responsáveis. As epidemias de gripe, malária, sarampo e coqueluche, somadas às doenças venéreas, ceifaram milhares de vidas, aniquilando aldeias inteiras.”
Essas informações estão na seção de violações aos direitos humanos dos povos indígenas do relatório final da CNV – incluindo as fontes primárias dessa história. Essa caso é contado entre as páginas 232 e 234.
Apesar desse episódio trágico, a carreira política de Jucá decolou após sua gestão na Funai. Em 1988, foi nomeado, por Sarney, governador do então território federal de Roraima. No extremo norte do país, o pernambucano montou um poderoso grupo político e empresarial, e conseguiu se eleger senador em 1994. Explica muito sobre o Brasil.
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