O Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR, um dos mais importantes do país, divulgou uma carta pública em que renega a ideia de que estudos sobre sexualidade estejam ligados a uma suposta “ideologia de gênero”. Afirmam que essa é uma tentativa de diminuir e negar a pesquisa científica sobre o tema.
A carta diz ainda que quem faz “ideologia” no caso de gênero são grupos que se opõem à inclusão de pessoas de orientação sexual diferente na sociedade. Leia a íntegra abaixo.
PESQUISADORES E PESQUISADORAS NÃO FAZEM IDEOLOGIA DE GÊNERO.
Você faz?
Na qualidade de pesquisadores integrantes do Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR, repudiamos publicamente a nomenclatura “ideologia de gênero” que está sendo usada para deslegitimar uma área de estudos, de pesquisa e de defesa dos direitos humanos que há pelo menos meio século se consolida no Brasil e em outros países, nas mais prestigiadas universidades e centros de pesquisa. “Ideologia” é um termo ambíguo e controverso, sem definição consensual, que carrega uma forte conotação de falsidade e/ou enganação. Acusar grupos de pesquisa universitários, ou de qualquer outra instituição, de defender e praticar “ideologia de gênero” é uma difamação infundada, desrespeitosa e irresponsável que atende a interesses políticos, morais e religiosos antidemocráticos.
Nós não praticamos nem defendemos “ideologia de gênero”. Pesquisadoras e pesquisadores dos estudos de gênero sempre atuaram e continuam a atuar no sentido de compreender como os sistemas de dominação e de exclusão são construídos e como se tornam permanentes a partir da oposição e da desigualdade entre homens e mulheres, dos modelos de masculinidade, feminilidade, sexualidade e da exclusão de toda a população LGBTQI (transgênero, queer, ou pessoas de gênero fluido e intersexuais), ou outras pessoas alvejadas pela fome, miséria, guerra, imigração.
Nossos estudos e nossos esforços se voltam a mostrar como ideologias de gênero são construídas e como elas originam violência, discriminação e exclusão, ao legitimarem estruturas de desconhecimento e a atual agressividade contra pessoas, pesquisadores e pesquisadoras, população LGBTQI, contra mulheres e contra espaços nos quais se discute e se vive orientações sexuais diferentes da heteronormatividade.
Quando rejeitamos a diversidade da experiência humana e negamos às pessoas o direito a existir, produzimos uma falsa realidade, distorcemos os conceitos e impomos práticas que contrapõem as pessoas entre si. Nesta contraposição, alguns são considerados mais humanos do que outros, e isto é violência. Este modo de proceder se equipara aos modos mais autoritários que já existiram, e que são gerados muitas vezes pelo pânico moral, pela leitura equivocada de textos bíblicos e pela não fundamentação a respeito das questões de gênero que envolvem as vidas, as narrativas, as experiências, os desejos e o viver das pessoas.
Se pratica ideologia de gênero quando – em nome da fé, da bíblia, de Deus, das origens, de uma falsa visão da psicologia, sem ciência e sem conhecimento – defende-se ideias tortas a respeito do próprio ensinamento relativo ao amor e à acolhida das pessoas. Faz-se ideologia de gênero quando esquecemos as violências que são empregadas todos os dias contra pessoas, mulheres e crianças, por razões de moralidade, de negação dos seus corpos e de suas vidas, por crimes de ódio, de fome, de desemprego. Se faz ideologia de gênero quando se impede a formação de pensamento crítico e o entendimento das vidas humanas em sua multiplicidade de viveres. Quando se impede um engajamento novo com o mundo, com os novos tempos, em nome de crenças pessoais sobre sexo, sexualidade, corpo, ou quando – por meio de atos de fé, de dogmas ou de uma tradição moral violenta – se nega a existência a pessoas diferentes.
Nós, os pesquisadores e pesquisadoras, não fazemos ideologia de gênero; o que fazemos é denunciar e combater a violência, os preconceitos e a discriminação contra mulheres e pessoas LGBTT, lutando para tornar a nossa sociedade menos injusta e menos desigual.
Desejamos que sejam de todo banidas estas iniciativas antidemocráticas e obscurantistas que pressionam instituições, pessoas, conferencistas, pela exclusão de toda uma área de conhecimento dos currículos, dos espaços públicos, das salas de aula e que representam uma falta de respeito à rica multiplicidade da experiência humana.
Elas representam um desrespeito aos desafios para a consolidação de políticas e ações de cidadania, um desrespeito ao combate às formas de violência, um desrespeito ao seu amigo, vizinho, irmão, irmã, tia, tio, parente, de longe ou de perto, que vive sua sexualidade e sua vida diferente da sua. Você já pensou no seu amigo, colega ou profissional, que é gay, lésbica, transexual, transgênero, ou de qualquer uma das denominações LGBTT, na sua irmã, mãe, avó, amiga, conhecida, que sofreu e sofre violência? Já pensou que seu filho, filha, amigo e amiga de seu filho não deveria estar construindo homofobias, lesbofobias, transfobias e toda sorte de pânico e discriminação? Respeito!
Denominar trabalho sério, pesquisas de uma vida, teses, dissertações, TCCs, textos que fundamentam e fundamentaram políticas, como algo execrável, como ideologia de gênero, como lugar da confusão das crianças, é pautar-se pela mais completa ignorância dos fatos, das teorias, dos inúmeros livros já publicados; e mais, é negar a riqueza da vida, da sexualidade e das relações. As relações precisam ser pautadas pelo respeito, pela escuta, proteção e cuidado com a vida de todos e de todas.
Nossas redes de pesquisa fortalecem a luta para que a “diversidade de gênero” e a “orientação sexual” sejam reconhecidas, não como “ideologias”, muito menos como “perversões”, mas sim, como parte do existir humano e como perspectiva analítica, no rol dos conceitos acadêmicos, cuja circulação tem como finalidade promover um país mais democrático, com menos preconceito, e capaz de ensinar às crianças e aos jovens que não se deve temer o conhecimento, mas, antes, participar plenamente das transformações em curso e de sua consolidação. Uma educação que não forme pessoas servis e covardes, mas que saibam pensar corpos, relações e suas vidas sem violência, e que consigam conviver com quem é diferente de si mesmo, para que possam produzir sistemas de proteção, inserção, reconhecimento e diversidade. Afinal, o amor e o respeito ao outro são fundadores dos mandamentos divinos, não são? Autonomia, liberdade, acolhida às vulnerabilidades, emancipação são valores da democracia, não são?
Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR
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