Da coluna Caixa Zero:
Já critiquei várias frases (e ações) do deputado Fernando Francischini. Principalmente pelos ataques dele à cultura de direitos humanos. O deputado também já me rebateu várias vezes em público, defendendo seus pontos de vista. Faz parte da democracia: políticos podem e devem ser criticados; jornalistas também não estão isentos de ouvir o que não querem.
Em março deste ano, Francischini foi citado em delação na Lava Jato. Quem o citou foi o senador Delcídio Amaral. Não havia provas, nem muitos detalhes: só um testemunho. Antes de noticiar o caso, como manda o figurino, liguei para o deputado e ele me deu suas explicações – bastante plausíveis. Relatei o caso mostrando que ainda não havia nada concreto.
No fim do dia, o deputado me ligou. Tinha lido o texto na internet. “Obrigado pela isenção. De onde a gente menos espera vem a imparcialidade”, disse. Achei engraçado. Decerto o deputado imaginou que por ter visões que divergem das dele eu aproveitaria a oportunidade para chama-lo de ladrão, mesmo sem provas. Engraçado, mas triste, porque muita gente fez e faz isso mesmo.
A divisão do país em dois polos ideológicos – ultimamente acirrada em função da Lava Jato e do impeachment de Dilma – acentuou a “reinaldo-azevedização” da política brasileira. Trata-se do fenômeno em que o sujeito, se tem a mesma ideologia que você, ganha carta branca para fazer o que quiser. Você irá defendê-lo de qualquer jeito. E, se for do outro lado, sempre que for possível, pau nele.
Parece evidente que o certo seria deixar a ideologia de lado na hora de fazer certos julgamentos. Seria impossível achar uma boa ação em alguém que não concorda com você? E se alguém que você sempre achou correto desliza e é pego em um gesto desprezível, por que fechar os olhos? Vale a pena relativizar a ética a esse ponto?
Recentemente, conservadores (muito inteligentes, aliás) tentaram defender a eleição de Donald Trump apesar de todas as provas que ele deu de ser um mentiroso compulsivo e um sujeito preconceituoso, perigoso mesmo. Simplesmente por ter defendido certas pautas, seria o caso de ignorar as boçalidades que ele disse ao longo da campanha e antes dela? Em nome da ideologia, valeria tudo?
É o mesmo que se viu no Brasil recentemente. Gente que defende um governo mais à esquerda (que corrija distorções do “mercado livre” por meio de ações do Estado, até para fazer com que os mais pobres tenham vez) saiu muitas vezes em defesa do indefensável – das óbvias maracutaias que petistas fizeram para chegar ao poder e para permanecer nele. Do outro lado, vale o mesmo. Basta o sujeito ter gritado “tchau, querida” ou colocar uma camiseta do MBL para ter apoio universal e incondicional de muita gente.
O nome disso é fanatismo, no caso dos bem-intencionados. No caso de muita gente que faz disso sua profissão, a coisa é ligeiramente diferente: trata-se de cinismo. Nos dois casos, as consequências são muito ruins, especialmente para a democracia. Se não estivermos dispostos a ouvir realmente o outro e a saber se ele pode ter razão (mesmo pensando diferente do que você pensa) a possibilidade de nossa convivência ser produtiva baixa a quase zero.
E aí ficaremos todos, dois grupos de fanáticos e cínicos, procurando defeitos no lado de lá. E defendendo nossos parceiros mais hediondos – só por eles acreditarem em alguma coisa em que também acreditamos.
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