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Por que nenhum país decente pode aceitar uma desigualdade grande demais

Da coluna Caixa Zero, publicada nesta quarta, na Gazeta do Povo:

Passou meio despercebido no país o lançamento de um livrinho genial. O Nível saiu no original em inglês em 2009, mas está disponível em português desde julho. A tese de um casal de epidemiologistas é simples: a desigualdade de renda em uma sociedade causa os mais variados tipos de problema. E não: ao contrário do que muita gente diz, o problema não é só a miséria. É a própria desigualdade entre gente que não é miserável.

Richard Wilkinson e Kate Pickett reuniram dois grupos de dados – de um lado, desigualdade de renda dentro de várias sociedades; de outro, problemas sociais que atingem esses mesmos lugares. E compararam as curvas de uma coisa e de outra em uma imensidão de tabelas. É impressionante ver como as coisas caminham juntas.

A conclusão dos pesquisadores é de que sociedades mais igualitárias têm menos problemas de saúde mental e uso de drogas; maior expectativa de vida; menor obesidade; melhor desempenho educacional; menor índice de maternidade na adolescência; menor número de pessoas presas; maior mobilidade social etc.

Pode parecer óbvio como muitas pesquisas que ganham o Ignóbil. Não é. Não se está falando que sociedades mais ricas têm vida melhor para todos. A comparação é entre vários países ricos. O que eles mostram é que os Estados Unidos, por exemplo, em comparação com a Suécia, têm mais pessoas com problemas de obesidade e mais doentes mentais. Que o Japão tem menos adolescentes grávidas do que a Inglaterra.

Pesquisas que envolvem correlações são sempre polêmicas. Por esses tempos, na internet, circulou uma série de comparações do gênero. As tabelas mostravam que o número de afogamentos em piscinas crescia conforme o número de filmes em que Nicolas Cage atua; e que a taxa de divórcios no Maine aumenta quando sobe o consumo de margarina. (A brincadeira, aliás, virou um livro: Spurious correlations.)

Mas a pesquisa de Pickett e Wilkinson é tremendamente séria. A quantidade de dados já impressionaria. Mas o mais convincente é o fato de que, comparação após comparação, a hipótese só ganha força. Funciona na comparação entre países ricos e funciona na comparação entre diferentes estados americanos, com raríssimas exceções, que aliás o casal não faz o menor esforço para esconder.

As explicações de por que isso acontece assim são apenas tentativas. Pode ser, por exemplo, que em sociedades mais desiguais as pessoas que ficam na parte de baixo da tabela de renda se vejam não só em desvantagem financeira, mas se vejam como inferiores. E não só a sensação de inferioridade como a pressão para que façam mais (para obter os mesmos resultados), além das frustrações da baixa mobilidade levem a diversas situações negativas.

O trabalho é tão empolgante que o respeitado economista Angus Deaton resolveu criar uma base teórica que tente explicar o fenômeno. Sim, o mesmo economista que no final de 2015 recebeu o Nobel por sua pesquisa relativa a “consumo, pobreza e bem-estar”.

Além do livro (no Brasil, só em papel) e do trabalho de Deaton (que pode ser baixado de graça on-line em inglês), pode-se acessar na internet o site do Fundo da Igualdade, criado pelo casal britânico, onde há tabelas com algumas das principais conclusões do livro. Está em www.equalitytrust.org.

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