Da coluna Caixa Zero:
Disputa é a base da democracia. O PT quer uma coisa, o PSDB quer outra? Faz parte. A CUT faz uma manifestação contra o governo e a Fiesp defende as reformas? Nenhum problema. Michel Temer pressiona os deputados e eles podem decidir votar com ele ou ir contra. Tudo isso está no script. Mas para o roteiro ficar completo falta um detalhe. E o detalhe é o diabo do povo.
O povo é sempre um troço meio incômodo. Você quer que ele faça as coisas de um jeito e ele insiste em fazer do outro. E o mais velho truque dos políticos na democracia é fingir que está fazendo o que o eleitor pediu, mesmo quando está fazendo o exato oposto. Os que conseguem dominar essa arte são recompensados com os melhores cargos, uma longa carreira e uma polpuda aposentadoria.
O truque começa a funcionar quando você decide que o único jeito de conquistar um cargo é entrando para um partido – e em seguida organiza esses partidos de modo que eles não precisem ter eleições internas e fiquem sempre na mão de caciques que só te aceitam se você se dobrar aos interesses deles. E a exclusão do eleitor vai mais longe quando toda a festa da democracia é paga por uns poucos bancos e empreiteiras que, não sendo otários, querem retorno sobre o investimento.
O eleitor, assim, fica preso a umas poucas escolhas, muito parecidas entre si, e só tem direito de dar palpite a cada quatro anos. Se antes desse prazo vai às ruas dizer que está insatisfeito corre o risco de ser chamado de vagabundo, comunista ou malandro. Que baderna é essa de querer exigir que o teu representante vote de acordo com o que prometeu? Onde é que isso vai parar?
Desta vez, porém, a marginalização da vontade do eleitor foi bem mais longe. Consultado nas urnas há pouco mais de dois anos, o povo disse que queria um programa. Aí a titular encarregada de tocar esse projeto foi declarada impedida. E assumiu seu vice. O vice existe pra isso mesmo, verdade. O problema foi o cavalo de pau que Temer deu ao assumir. É como se ele tivesse virado de cabeça pra baixo tudo que o eleitor escolheu para o país.
O eleitor escolheu gato. Passado um tempo, o dono do pet shop apareceu na casa, levou o gato embora e deixou no lugar um cachorro. “É de cachorro que você precisa.” E quando o eleitor disse que gostava mesmo era de gato o lojista disse que ele podia não saber – mas que ele precisava mesmo era de um cachorro e que portanto o melhor era ficar quietinho e cuidar do cachorro. Onde já se viu discutir com o especialista?
Não era só o discurso de Dilma que era diferente da prática de Temer. Nem Aécio Neves, o segundo colocado em 2014, defendia abertamente o que o atual governo pratica. Aécio chegou a falar em “medidas impopulares”. Recuou. E quem acabou defendendo uma plataforma mais liberal, como a que está caindo agora sobre nossas cabeças, foi o Pastor Everaldo, do PSC. Suas propostas lhe garantiram 780 mil votos e um glorioso quinto lugar, atrás de Luciana Genro, do PSol.
Não é nem questão de definir se as reformas são ou não boas, se são necessárias. O que é esquisito e quase ininteligível é como pode num país democrático o povo ter tanta dificuldade para fazer com que seus representantes sigam minimamente a sua vontade.
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