Pré-campanha não existe, começou dizendo a advogada Carla Karpstein. E até deu uma esnobada, citando Cem Anos de Solidão, num trecho em que García-Márquez, falando do início de Macondo, diz que as coisas ainda eram tão novas que nem tinham nomes, e era preciso apontá-las.
A pré-campanha é o contrário: existe o nome, mas não a coisa. Só apontamos para algo que não existe. Porque a lei simplesmente fala que a campanha começa depois da convenção. O que os candidatos estão fazendo agora? Em tese, nada, pois candidatos eles nem são… Só “pré”.
A discussão aconteceu no Congresso de Direito Eleitoral de Curitiba, referência na área. Além de Carla Karpstein, participaram do debate o advogado de Temer, Gustavo Guedes; e o ex-ministro do TSE Henrique Neves. Todos concordaram: há algo errado no ar.
O fato é que esse período antes de começar de fato a campanha é confuso. O sujeito, pela lei brasileira, só não pode uma coisa: pedir voto. Mas veja o que estão fazendo os não-candidatos de 2018. Correm o estado, ou o país; fazem reuniões políticas; explicitam suas propostas; dizem o que pretendem fazer se eleitos; divulgam quantos votos têm…
Só não podem dizer: vote em mim.
Há gente fazendo reuniões com, digamos, três mil lideranças do Norte Pioneiro. Como três mil pessoas não podem ser líderes numa região tão pequena, o nome que se dá a isso é outro: comício. Mas não podendo haver comício, disfarça-se de reunião de construção de plano de governo.
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O candidato não diz: vote em mim. Mas diz todo o resto. E todos ficam felizes.
O ministro Henrique Neves chega a fazer uma proposta curiosa: fazer de fato uma pré-campanha. Com um pré-registro. Para que as coisas fiquem claras e o sujeito possa inclusive dizer que está, sim, querendo seu voto. Para não ficarmos nessa hipocrisia.
“O que a gente tem é que conter abusos, o resto, ficar discutindo detalhes de pré-campanha é bobagem”, disse Gustavo Guedes. “Nos EUA, a convenção dos Republicanos e dos Democratas passa na tevê. Já imaginou passar a convenção de um partido brasileiro na tevê?”, brinca Neves.
Mesmo que houvesse uma liberdade maior, porém, todos os especialistas concordam que o xis da questão é impedir o abuso econômico. Carla Karpstein citou um exemplo que, para ela, está bem no limite. Flávio Rocha, dono da Riachuelo, faz “pré-campanha” pelo país no avião de sua empresa. Mas, espera aí: doação de pessoa jurídica é proibida. Ele devia ser cassado?
O grande ponto de haver uma campanha curta e sem permissão para desbundes maiores é, em tese, dar chances iguais a todos (claro que serve também para aumentar a probabilidade de reeleição de quem passou quatro anos tendo a estrutura do poder a seu lado). Portanto, não faria muito sentido fazer uma campanha de 45 dias e deixar correr tudo solto antes disso.
No entanto, ainda que não se saiba como resolver o problema, uma coisa parece clara. Hoje, a tal “pré-campanha” é um mar de hipocrisia. Candidatos gastam fortunas encomendando pesquisas que jamais aparecem nas prestações de contas; viajam loucamente; fazem de tudo para conquistar o voto; e só convivemos com isso desde que tudo seja feito dentro de uma trapaça semântica: não me diga que é candidato, nem peça meu voto.
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