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O blog entrevistou Miguel Nagib, coordenador nacional do Movimento Escola sem Partido. Veja a íntegra:

Deputados e sindicatos têm alegado que o projeto de lei é inconstitucional por ferir a liberdade de expressão e de opinião dos professores. Como o sr. responde?

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O que a Constituição assegura aos professores, no exercício da atividade docente, é a liberdade de cátedra (art. 206, II), não a liberdade de expressão.

Liberdade de expressão é a liberdade de dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto. Se o professor desfrutasse dessa liberdade em sala de aula, ele sequer poderia ser obrigado a transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina: poderia passar a aula toda falando de futebol, religião, novela etc. Só isso já demonstra que o professor não desfruta e não pode desfrutar da liberdade de expressão no exercício da atividade docente (como eu disse, o que a CF lhe assegura é a liberdade de cátedra).

Por outro lado, na sala de aula, o professor se dirige a uma audiência cativa. Os alunos são obrigados a escutar o que ele está dizendo ‒ e a escutar com atenção, pois poderão ser cobrados a respeito. Por isso, reconhecer ao professor o direito à liberdade de expressão dentro da sala de aula seria reconhecer-lhe o direito de obrigar seus alunos a ouvi-lo falar qualquer coisa sobre qualquer assunto. É evidente que, se isso fosse possível, a liberdade de consciência e de crença dos alunos (assegurada pela CF) seria letra morta.

Portanto, o nosso projeto não fere a liberdade de expressão do professor.

Como impedir que atividades corriqueiras não sejam enquadradas naquilo que o projeto chama de doutrinação? Exemplo: o projeto veda recomendação de livros de caráter ideológico. Mas há livros que podem ser considerados ideológicos e que são importantes. Como lidar com isso?

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O fato de uma atividade ser corriqueira não significa que esteja de acordo com a Constituição. A doutrinação política e ideológica em sala de aula é corriqueira, e não está de acordo com a Constituição.

Obrigar os alunos a ler um livro de propaganda política e ideológica, com o objetivo de obter sua adesão à corrente política e ideológica do autor é inconstitucional, pois viola a liberdade de consciência e de crença do alunos. Se isso é feito por um agente público, no exercício do seu cargo, para favorecer determinado partido ou ideologia, ofende também o princípio constitucional da neutralidade política e ideológica do Estado.

Um livro de propaganda política e ideológica pode ser adotado como objeto de estudo ‒ assim como se pode estudar a Bíblia ou o Corão, sem violar, em princípio, o dogma constitucional da laicidade do Estado ‒; mas sua leitura não pode ser imposta para que os objetivos propagandísticos ou apologéticos do autor sejam alcançados.

Na sua opinião, o Enem deste fim de semana mostra uma tentativa de “doutrinação” por parte do MEC. Por quê?

Doutrinação é o abuso da liberdade de ensinar do professor em prejuízo da liberdade de consciência e de crença do estudante.

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Portanto, tecnicamente, o ENEM não doutrina. Mas pode funcionar como filtro ideológico de acesso ao ensino superior ‒ ao cobrar dos candidatos determinado posicionamento político ou ideológico ‒ e pode ser usado para pautar ideologicamente o ensino fundamental e o ensino médio. A prova deste ano fez as duas coisas.

Na questão da Simone de Beauvoir, por exemplo, o ENEM deu um recado muito claro às escolas: nós continuaremos a falar de gênero; portanto, é bom vocês fazerem o mesmo se quiserem que seus alunos sejam bem sucedidos na nossa prova. Ou seja, o ENEM dá o tom ideológico do sistema educacional.

Já na redação, ao escolher um tema com evidente conotação ideológica ‒ o que foi devidamente comemorado pelas feministas ‒ e exigir que os candidatos se posicionem “respeitando os direitos humanos”, o ENEM acaba atuando como filtro ideológico de acesso ao ensino superior. Respeitar os “direitos humanos” é uma exigência do ENEM. O candidato que descumprir essa exigência tira zero na redação. Mas o que são esses “direitos humanos”? O INEP dá uma pista: são valores como cidadania, igualdade, solidariedade e diversidade cultural. Ou seja: expressões que remetem de forma inequívoca ao discurso ideológico da esquerda… Embora exista uma legislação brasileira sobre direitos humanos, não é o respeito a essa legislação que está sendo exigido dos candidatos. Mas o respeito a uma coisa vaga chamada “direitos humanos”. No fim das contas, são os corretores das redações que vão dizer o que é que isso significa. E quem são eles? Professores que pertencem a um sistema educacional dominado pelos valores e pelo discurso da esquerda.

Há necessidade da nova lei? As leis atuais já não impedem abusos?

As leis atuais proíbem os abusos, mas não impedem que eles aconteçam.

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Veja bem: a Constituição Federal não permite que o professor se aproveite da audiência cativa dos alunos para promover suas próprias opiniões, concepções ou preferências políticas, ideológicas, religiosas ou morais. A Constituição Federal não permite que o professor favoreça ou prejudique um aluno em razão das suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas. A Constituição Federal não permite que o professor faça propaganda política e partidária em sala de aula. E por aí vai.

O problema é que a Constituição não está sendo respeitada no segredo das salas de aula. O objetivo do nosso projeto é apenas esse: fazer com que ela seja respeitada dentro das salas de aula.

De que forma o projeto faz isso? Informando os alunos sobre a existência dos deveres previstos no cartaz cuja afixação nas salas de aula o projeto determina. Se esses deveres existem ‒ e eu desafio qualquer pessoa a provar o contrário ‒ os alunos têm direito de saber.

É importante observar que o nosso projeto não cria para os professores nenhuma obrigação que já não exista. Todos os deveres do professor, previstos no projeto, já existem hoje, independentemente da sua aprovação. Nem a APP nega isso.

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