A extinção do Ministério da Cultura e a transformação da Controladoria-Geral da União (CGU) em Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle geraram críticas pesadas ao presidente interino Michel Temer (PMDB). Para o diretor do Contas Abertas, Gil Castello Branco, as mudanças, em si, não são o problema. A questão é mudar sem que haja um planejamento prévio e sem que haja qualquer critério.
Para Castello Branco, o corte nos ministérios passa uma falsa impressão de que o governo está reduzindo gastos, quando, na realidade, as mudanças têm peso ínfimo no orçamento da União – que muitas vezes são absorvidas pelos custos da própria mudança. Entretanto, ao fazer isso de forma abrupta e sem critérios, as medidas não contribuem para tornar o estado mais eficiente – pior, geram mais dificuldades administrativas para o governo.
O diretor do Contas Abertas frisa, entretanto, que o excesso de ministérios é um problema, umas vezes que, na prática, grande parte dos ministros tem pouco poder de interlocução com a presidência. Entretanto, o governo não ficará mais eficiente apenas cortando pastas. No seu entendimento, é necessário um estudo aprofundado sobre o estado brasileiro, contemplando experiências de outros países, antes de simplesmente cortar por cortar.
CGU
A transformação da CGU em ministério também foi bastante criticada, especialmente por colocar o órgão de fiscalização interna do governo no mesmo patamar que outros ministérios – antes, o órgão era vinculado à presidência.
Para Castello Branco, isso é uma questão que deve ser observada, mas o modelo anterior também trazia problemas de ingerência política para dentro da pasta. Ele diz que o ideal seria transformar a CGU em uma espécie de agência, com funcionamento independente do governo central. Leia a entrevista completa abaixo.
Uma das primeiras medidas do presidente Temer foi cortar de 31 para 23 ministérios. Além disso, várias alterações, como a transformação da CGU em ministério, foram realizadas. Qual o balanço geral de toda essa mudança na Esplanada?
A medida de corte é tomada na ótica da redução de despesa, sem critérios. Aqui na Esplanada, há muitos anos, o verbo mais conjugado é o “cortar”. E, muitas vezes, esses cortes não tem racionalidade. Seja na despesa ou na estrutura, geram uma polêmica enorme e um efeito discutível.
Sou contra essa quantidade toda de ministérios. Acho, aliás, que [o número de ministérios] poderia sofrer uma redução ainda maior. A Alemanha tem 15 ministérios, por que o Brasil precisa de 39, ou mesmo 23? Agora, isso tem que ser feito com racionalidade e critério.
E o que deveria ser feito?
Há muitos anos no Brasil o que falta realmente é um estudo sério sobre o estado. Fazer uma racionalização do estado de forma consciente. Na década de 30, o presidente Getúlio Vargas criou um grupo de trabalho que passou quase um ano estudando e criou o DASP, para aplicar o fordismo para a administração pública – que estava na moda naquela época. Depois disso, as experiências desse tipo se contam nos dedos.
Reconstruir a administração pública praticamente do dia para a noite, em uma situação de emergência, é muito difícil. É impossível que você faça um estudo técnico nesse cenário. Daí, você não tem explicação para tudo o que aconteceu. Essa reforma foi apenas para dar uma satisfação pública à sociedade quanto ao corte de gastos. Meramente uma satisfação pública.
Por que uma satisfação pública?
Você diz: vou cortar 4 mil DAS. Tudo bem. Agora, mais de 70% dos DAS são funcionários do estado, ou seja, você corta apenas a gratificação. Aquilo tudo que era o Ministério da Cultura vai se tornar Secretaria da Cultura no Ministério da Educação. Você reduz alguns cargos no nível hierárquico, o que reduz algumas despesas, mas cria outras, como a modificação da estrutura física, por exemplo. Então, não foi uma redução relevante. Foi apenas uma satisfação pública. Esses cortes [em ministérios] não devem ser feitos como uma forma de redução de custos, mas de tornar a máquina pública mais eficiente.
A crítica à extinção do Ministério da Cultura é mais pela própria extinção do que pela maneira como ela foi realizada. Como o senhor enxerga essa crítica?
As pessoas estão preocupadas com uma estrutura administrativa porque acham que, deixando de ser ministério, o setor deixa de ter prestígio. Mas talvez elas não investiguem que, quando era um ministério, o prestígio já não existia, o órgão sofria restrições orçamentárias e de pessoal. Em 2015, o governo federal executou menos de 50% do orçamento previsto para o setor.
O que eu acho que aconteceu no Brasil foi que nós nos acostumamos com 39 ministérios. Quando você reduz para 31, depois para 23, isso provoca uma crítica generalizada. Todos imaginam que o prestígio de um setor depende de ter ou não um ministério, e isso é falso.
Por que é falso?
No início do governo Lula, a ministra Marina [Silva] declarou que, em seis meses, conseguiu despachar com o presidente uma única vez. Quando o governo Lula começou, em 2003, eu trabalhava como secretário executivo do ministério dos Esportes. Então sou testemunha de que o então ministro Agnelo [Queiroz] teve um único despacho com o presidente até eu sair, em outubro. Ou seja, em dez meses, apenas um despacho.
Então não há de fato um prestígio para um setor simplesmente porque ele se torna um ministério. Ao meu ver, era até mais razoável que você tivesse uma menor quantidade de ministros, mas ministros com capacidade de decisão e interlocução com o presidente da República.
No caso da CGU, houve uma modificação em sua estrutura funcional – passou a integrar o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Isso gerou muitas críticas, por sua mudança de escalão. Elas procedem?
É preciso levarmos em consideração que a CGU já vinha sofrendo cortes dramáticos no governo anterior. Nós já tínhamos notícias de cortes em programas importantes, como o dos sorteios, no qual a CGU sorteava alguns municípios para auditar. O orçamento autorizado da CGU para 2016 é o pior dos últimos sete anos. Nos valores efetivamente pagos, 2015 foi o menor valor.
Mas a mudança na situação hierárquica é ou não um problema?
A situação hierárquica do órgão não é determinante para que o órgão tenha menor ou maior projeção. A Polícia Federal é um órgão de terceiro escalão e, no entanto, por sua atuação, conseguiu se tornar um órgão verdadeiramente de estado. A CGU nunca conseguiu, mesmo estando ligada diretamente à Presidência. O que valoriza efetivamente um órgão é ter uma blindagem contra as influências políticas externas, um quadro de funcionários valorizado, bem remunerado e com aperfeiçoamento permanente.
E qual seria a situação ideal: ministério ou controladoria? Ou outro?
Para mim, o ideal é que não fosse nem um ministério, nem uma controladoria. O ideal seria a CGU como uma espécie de agência, com mandatos de dirigentes fixados de forma não compatível com a do presidente da República, para que essa estrutura fosse realmente independente. No caso da situação atual, de fato, poderá existir alguma dificuldade, em tese, uma vez que o órgão de auditoria está em situação hierárquica idêntica à dos órgãos que irá auditar. Isso deve ficar sob observação.
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