Artigo do repórter Chico Marés:
O governador Beto Richa, depois de quatro dias de crise no Centro Cívico, finalmente voltou a falar em público. O modelo não foi bem o ideal: entrevistas exclusivas para alguns canais específicos de televisão, ao invés de uma coletiva abrangente com todos os veículos interessados. Ainda assim, melhor do que terceirizar a responsabilidade de falar pelo governo do estado para seu secretário-chefe da Casa Civil.
Entretanto, a fala de Richa foi desastrosa. Ao invés de ter a humildade de compreender a insatisfação dos servidores com um projeto que, no mínimo, é sensível demais para ser empurrado goela abaixo, preferiu sair atirando e dizer que a culpa pela ocupação da Assembleia é de petistas infiltrados no movimento dos professores. Sinal de que não entendeu nada do que estava acontecendo a poucos quilômetros do Chapéu Pensador, prédio público no Bigorrilho onde se auto-exilou.
Antes de mais nada, não é segredo para ninguém que a cúpula da APP-Sindicato é filiada ao PT. A ex-presidente Marlei Fernandes, por exemplo, foi candidata a deputada pelo partido há poucos meses. Mas sindicatos são espaços políticos, e não há nada, absolutamente nada de errado em filiados a um partido disputar seu controle – seja esse partido o PT, o PSDB, o PSol, o DEM ou qualquer outro. É uma parte saudável da democracia.
Mas o que realmente chama a atenção é essa ideia de que um sindicato “infiltrado” no movimento tenha poder de manipular a mente de tanta gente que estava na Assembleia nesses últimos dias, apenas para sabotar o governo. Aliás, se o PT do Paraná tivesse esse poder todo, talvez não tivesse um desempenho tão pífio nas eleições de 2014. Ou é um grau surreal de auto-enganação, ou é cinismo.
Se parasse para conversar com as pessoas que estão acampadas na frente de seu gabinete oficial, talvez soubesse que muita a gente ali não só não é “petista infiltrado” como, inclusive, votou nele há poucos meses. Também ficaria sabendo da situação de muitas escolas públicas que, com ou sem greve, não teriam como abrir, porque não tem sequer condições de funcionar. Ou do temor de ter um projeto que pode mudar toda sua carreira sendo votado sem sequer ser lido pelos deputados. Essas pessoas fazem parte desse movimento por isso – e não porque tiveram seus cérebros lavados pelos dementadores do PT.
Além disso, há a ideia de que classificar as pessoas que ocuparam a Assembleia como “baderneiros, arruaceiros e anarquistas”. Conversei com muitos repórteres e jornalistas, dos mais variados veículos e até mesmo de assessorias de deputados da base de apoio ao governo, e todos foram unânimes em dizer que, salvo no momento da invasão, não houve depredação e não houve violência. Até mesmo havia um clima de solidariedade e cordialidade entre os “baderneiros” e a Polícia Militar.
Numa coisa, porém, Beto esteve certíssimo. Os servidores precisam se inteirar do conteúdo do projeto. Não vejo, da parte deles, uma compreensão clara do efeito das mudanças no Paranaprevidência ou na carreira do magistério, por exemplo. Porém, é justamente por esse motivo que não se vota um projeto cinco dias depois de apresentá-lo. Se deixasse o projeto tramitar normalmente, seria possível discuti-lo com profundidade nas comissões e em eventuais audiências públicas, para solucionar todas as dúvidas. Não só dos grevistas, mas de toda a sociedade paranaense, que poderia inclusive contribuir com soluções que talvez o governo não tenha enxergado.
Mas há a urgência. É verdade, há um risco sério do governo não conseguir dar conta sozinho da folha de pagamentos no final deste mês, como já aconteceu mês passado. Agora, o responsável por essa urgência é o próprio governo. Desde o final de 2013 essa crise no caixa do estado já é conhecida e reconhecida. Desde aquela época, há a dívida de mais de R$ 1 bilhão com fornecedores. Há obras interrompidas. Há a falta de pagamento de progressões e qüinquênios de servidores. Se há urgência, é porque o governo do estado não quis tomar essas medidas amargas em 2014, ano de eleição.
Após quatro dias exilado no Bigorrilho, Beto Richa precisa urgentemente voltar para o Centro Cívico. Para sair desse nó criado por ele mesmo, precisará escutar o que a população tem a dizer sobre seu governo – mesmo que as verdades sejam distantes do mundo fantasia que parece ter criado em seu refúgio. Se continuar ignorando os professores e a sociedade, não conseguirá retomar o rumo de seu governo – que é, afinal, o que todos nós esperamos e desejamos.
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