O deputado federal Rodrigo Maia, do DEM, apresentou a proposta de criação de um Sistema Único de Saúde para os animais. O nome é esse mesmo: SUS Animal. O projeto, que ganhou o número 6434/13, tramitará na Câmara dos Deputados. Se passar, vai ao Senado. E depois para sanção presidencial.
Trata-se da ampliação de uma tendência: a destinação de esforços e recursos públicos para tratar dos animais. Em São Paulo, já há um hospital veterinário público. O vereador que apresentou a proposta foi o mais votado no ano passado e, como consequência, o projeto ganhou cópias em todo o país.
Em Curitiba, a prefeitura também criou uma seção da Guarda Municipal especialmente destinada a evitar maus tratos contra os animais. O prefeito Gustavo Fruet fala em aprofundar as políticas na área e classifica o fato de a defesa animal ter entrado para o debate público como uma conquista da sociedade.
No caso do projeto de Rodrigo Maia, a coisa vai mais longe. O deputado prevê a utilização sistemática de recursos públicos saídos do Ministério da Saúde para que seja patrocinado o tratamento de animais em várias circunstâncias. Desde animais exóticos e silvestres até bichos de estimação domésticos.
A lista do que deve ser protegido pelo SUS Animal também é extensa. Além de incluir a prevenção de doenças, a epidemiologia e o tratamento, o projeto do deputado sustenta que cabe ao Estado proteger os animais até mesmo do medo e que é necessário preservar sua integridade “física e moral”. (O projeto não explica o que seria a integridade moral dos animais. Fica a critério da imaginação de cada um, supõe-se).
Quanto ao financiamento, o artigo 35 deixa claro que serão usadas verbas do Ministério da Saúde. Até hoje, em projetos de defesa dos animais, um dos argumentos dos defensores das propostas era o de que os animais não estavam competindo com os humanos no uso de verbas públicas. Até mesmo esse limite mínimo de distinção parece ter sido superado agora.
Diz o texto:
O orçamento do Ministério da Saúde destinará ao Sistema Único de Saúde Animal (SUS ANIMAL) de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Como a verba da Saúde pode não ser suficiente, Maia prevê outras fontes de receita, como fundos ligados ao Ministério do Meio Ambiente e multas aplicadas por infrações ambientais.
Além de envolver o governo federal, o projeto prevê que estados e municípios também terão de se envolver, criando estruturas e participando da gestão dos recursos. Cuidarão de laboratórios, entregarão medicamentos num sistema de acesso universalizado (que ainda não foi garantido aos humanos na prática) e ressarcirão gastos.
É a mais completa tentativa já feita no país de usar o dinheiro público para o bem-estar dos animais. Os defensores dos animais, supõe-se, vibrarão. Com seus votos, Rodrigo Maia poderá se reeleger sempre ou tentar até postos mais altos. É a defesa do fim do antropocentrismo o que está em pauta.
No entanto, é claro que há argumentos importantes contra a proposta. O principal, e mais óbvio, é o fato de que o país hoje não consegue nem mesmo assegurar o bem-estar dos humanos. A própria disputa em torno do projeto Mais Médicos mostrou isso: reportagem desta Gazeta mostrou, por exemplo, que humanos esperam três anos por consultas e procedimentos no SUS.
Não há médicos suficientes no interior. Nas periferias das grandes cidades. Nos estados periféricos. Não há especialistas em número suficiente. Não há remédios gratuitos para todos. como, numa situação dessas, defender que o escasso seja dividido ainda com os animais? É claro que os animais têm seu valor, sua dignidade etc. Mas usar verbas da saúde pública neste contexto parece resultar de uma entre duas coisas: um desprezo pelo conceito de que a vida humana deve vir em primeiro lugar ou uma tentativa de conquistar votos fáceis com uma proposta que não é factível e que, provavelmente, nunca será aprovada.
A política é em boa medida a distribuição de bens escassos em uma sociedade. É o estabelecimento de prioridades. Numa sociedade em que nada faltasse, em que tudo fosse abundante, é claro que seria possível fazer todo o necessário, sem preocupação com cobertores curtos. No mundo real, isso não é assim. É preciso fazer escolhas.
O surgimento de projetos como esse mostra que estamos em um momento importante de nossas escolhas. Podemos admitir que o ser humano não tem mais o primeiro lugar em nada. Não é mais a medida de todas as coisas. É um entre tantos. Ou podemos escolher que a vida humana tem uma dignidade especial e decidir protegê-la antes do resto.
A humanidade e o que pensamos dela. Eis o que está em jogo.