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Seja quem for o prefeito, a Copa não pode ser prioridade

Texto publicado originalmente na Gazeta do Povo impressa:

Curitiba será subsede da Copa do Mundo? Maravilha. Fogos de artifício, felicidade geral, expectativa. A cidade aparecerá para o mundo e Deus sabe como somos vaidosos: capital ecológica, capital cultural, a primeira nisso e naquilo, tudo já foi dito para levantar o orgulho nativo. Algumas vezes o ufanismo tinha lá sua razão. Noutras, era só um jeito de a prefeitura dizer que estava fazendo um bom trabalho.

Agora teremos mais exposição do que nunca. E claro que ninguém quer que o evento seja um fiasco. É preciso tomar os cuidados para que tudo saia a contento. Não é que Curitiba vá se transformar, dessa vez, em capital do turismo. Essa não é a vocação do município, nem tem como ser. Mas até por uma questão de responsabilidade, já que haverá milhares e milhares de pessoas vindo do mundo todo, é nosso dever atendê-las bem e garantir que não se instale o caos.

Mas o que não pode se deixar que aconteça é que um evento pontual, que vai durar poucos dias e gira em torno de quatro jogos mude as prioridades da cidade. Veja bem: não há dinheiro sobrando. E Curitiba, embora tenha uma situação melhor do que a maior parte das cidades brasileiras, tem uma série de problemas estruturais que precisam ser resolvidos. Não adianta agora gastar fortunas para melhorar o entorno da Baixada, que já fica numa área rica, e deixar que o resto da cidade sofra as consequências.

A cidade já está gastando bastante com o evento. A prefeitura pode chiar o quanto quiser, mas o fato é que os R$ 123 milhões que estão sendo dados de lambuja para o Atlético são dinheiro público, sim. O dinheiro do potencial construtivo é pago para o município, que poderia dar outro destino à verba. Escolheu a Copa porque quis. E não é só isso: há investimentos públicos de outros gêneros.

Chegou-se ao absurdo de dizer que era preciso fazer o metrô para a Copa. Mas, como bem lembrou um urbanista, só para os turistas que se hospedassem no Capão Raso faria sentido pegar a Linha Azul até a Arena. Agora, gastam-se R$ 85 milhões num viaduto estaiado que, não por coincidência, fica no caminho do aeroporto para a cidade: os turistas agradecem. Mas precisava?

É preciso ter juízo e ver quais são as reais prioridades da cidade. Por exemplo: há bairros e bairros com esgoto a céu aberto. As ruas estão num buraco só. Não há creches para todas as mães colocarem seus filhos. O funcionalismo do município reclama dos salários. O sistema de atendimento de saúde dos servidores precisa de milhões para estar dentro das regras da Anvisa. O sistema de transporte coletivo tem um déficit anual de R$ 60 milhões que terá de ser coberto pelo governo do estado.

Será ótimo se os gringos gostarem daqui.
Mas a palavra mais sábia sobre o assunto talvez esteja numa piada do humorista curitibano Diogo Portugal. Ele diz que acha estranho quando chega na casa de alguém e ouve a pessoa pedindo desculpas pela bagunça. “Não tem porque se desculpar”, diz ele. “Eu logo vou embora, você é que vai ter que viver nessa zona.” Faz sentido.

De nada adianta gastar os tubos de dinheiro para agradar o pessoal que passará duas semanas por aqui e deixar os problemas de quem mora na cidade sem resolver. O habitante local tem de ser prioridade. A Copa é uma festa. Mas a festa passa e a vida continua. Que o prefeito, seja quem for, se lembre disso.

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