Um pequeno vilarejo no interior do Nebraska, nos Estados Unidos, deixou de existir oficialmente há três anos, em julho de 2014. A história teria pouco interesse (quem se importa com um vilarejo de menos de cem pessoas no interior do Nebraska?) se não fosse pela história que levou a seu fim. E pela metáfora que isso pode representar para todos nós.
Seneca existiu por 126 anos. Basicamente, era uma cidadezinha à beira de uma ferrovia que chegou a ter uma certa prosperidade no começo do século 20. Mas uma decisão tirou de Seneca o status de ponto de parada dos trens (era lá que os condutores trocavam de turno) e o comércio começou a minguar.
Leia mais sobre a história de Seneca em inglês.
No início do século 21, pouco havia sobrado. Apenas algumas dezenas de casas num lugarejo histórico. Mas parte dos moradores gostava do clima bucólico, da ideia de a cidade preservar uma certa aparência histórica, de servir de cartão-postal. Era uma espécie de vila idílica em meio ao nada. Até que apareceram os cavalos.
Um dos moradores decidiu manter seis cavalos em um terreno do vilarejo. O local era feio, mal-cuidado, os cavalos estavam em mau estado. Havia barulho, sujeira e alguns dos habitantes ficaram indignados com a história. Talvez quisessem manter a ideia de um lugar idílico. E definitivamente aquela imagem não era compatível com o que eles queriam.
Começaram as discussões. E alguém teve a ideia de tentar aprovar uma lei proibindo qualquer morador de criar e manter animais dentro dos limites de Seneca. Obviamente, o alvo eram os cavalos. Mas teve quem ficasse do lado do dono dos animais. O sujeito, afinal, precisava dos bichos e tinha tanto direito quanto os outros a tocar sua vida.
O fato é que a população ficou a tal ponto dividida que não conseguia mais resolver o problema. Todas as soluções eram descartadas porque nenhum dos dois lados abria mão de seus pontos de vista. Ninguém conseguia decidir sobre a lei, muito menos sobre os cavalos. E os ânimos foram se acirrando. As pessoas deixaram de falar umas com as outras.
Até que alguém teve uma ideia: se a gente não consegue resolver isso, o melhor é acabar com a cidade. E embora isso possa parecer um exagero tremendo, de fato a cidade organizou um plebiscito perguntando se a área deveria deixar de ser um município (nos EUA, entre um município e outro pode haver áreas que não são de prefeitura alguma, governadas pelo condado ou pelo estado).
A eleição foi acirradíssima. E acabou com uma votação de 17 a 16. A maioria decidiu pelo fim da cidade. E ela deixou de existir em julho de 2014. “Ninguém ganha com isso. As pessoas vão ficar com raiva umas das outras até morrerem”, disse uma moradora a um jornal na época.
A história ficou conhecida nos Estados Unidos e foi mencionada como exemplo no ano passado de como a polarização pode levar à dissolução de uma comunidade. No momento da eleição Trump x Hillary, o Radiolab, por exemplo, fez um longo programa sobre Seneca. Mal se fala na eleição presidencial. Mas o recado é evidente.
Uma comunidade (pequena como Seneca ou grande como um país) pode naufragar e até deixar de existir caso perca a capacidade de dialogar e de entender o ponto de vista do outro.
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