Há quinze anos, uma juíza em início de carreira explicava para um grupo de jornalistas de Curitiba a diferença entre prova e indício. A prova, dizia ela, da maneira mais didática possível, era como se fosse a mão inteira. O indício era um dedo. Ou seja: era o caminho para se ter uma prova, mas as duas coisas não equivaliam.
A juíza era Bianca Arenhardt, substituta à época do desconhecido Sergio Moro. Os dois trabalhavam com crimes federais. E a juíza, que acabou sendo uma boa amiga de Moro, fazia questão de que os repórteres não confundissem uma coisa com a outra.
Nos próximos dias, o próprio Sergio Moro vai ter que dizer se concorda ou não com a distinção que, de resto, é bastante clara. O processo em que ele julga o presidente Lula no caso do triplex nitidamente é baseado em indícios. Não há qualquer prova cabal da propriedade do imóvel, muito menos da ilicitude dessa propriedade.
O que há são indícios. Muitos indícios, até. Tudo “indica” – e a relação entre as palavras mostra tudo – que Lula pode ter recebido o apartamento como compensação por serviços prestados à construtora. A esposa tinha uma cota de um imóvel. Houve uma visita do casal ao triplex. Há gente dizendo que a intenção era dar o imóvel a Lula. Há declarações de que a reforma foi feita a pedido dele. Etc, etc.
O que se discute é se isso é o suficiente para condenar Lula. Para quem acha que se deve condenar, há basicamente dois argumentos. Primeiro: existe o que se chama de provas indiciais. Ou seja: indícios tão fortes que, somados, formam uma espécie de prova. Segundo: que em crimes de corrupção, nunca há provas cabais. Ou se condena assim, ou sempre haverá impunidade.
Para quem é leigo em direito, fica a impressão de que o que está em discussão aqui é se é possível contornar o que é exigido pelo Código Penal e condenar alguém mesmo que os elementos não estejam dados. Mais ou menos na linha do “não temos provas, mas temos convicções”.
Porque realmente é um problema você saber que muita gente está se beneficiando ilicitamente do poder público e não conseguir fazer nada. É frustrante. E em última análise parece um contrassenso esperar que só se condene alguém quando houver uma prova que parece impossível.
Mas em última análise, como se diz, estaremos todos mortos. E pensar assim pode ser perigoso. Não perigoso por causa de Lula, apenas. Mas parece perigoso porque todo o sistema penal Ocidental se baseia em uma premissa: a da presunção de inocência. Que só deixa de existir quando se tem certeza, além da dúvida razoável, de que o sujeito cometeu um crime.
A dúvida a favor de Lula, neste caso (e só não verá isso quem estiver cego por ideologia ou ódio) deveria ser o bastante para livrá-lo da condenação. O que não quer dizer que ele seja inocente. E caso se faça o contrário abre-se um precedente muitíssimo perigoso.
Porque hoje é alguém poderoso e de que você pode não gostar que está respondendo ao processo. Mas amanhã poderá ser qualquer um. E relativizar a necessidade de provas para condenar alguém é abrir caminho para que qualquer coisa sirva. E ficaremos, todos, indefesos, nas mãos de juízes com critérios altamente subjetivos para decidir quem vai e quem não vai passar o resto da vida na cadeia.
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