Curitiba não tem praias: as diversões de fim de semana são outras. Para muita gente, é ir aos parques, especialmente quando há sol. Os shoppings também fazem esse papel e mesmo quem não quer (ou não pode) comprar muita coisa vai lá para passear, ver os outros e passar o tempo. Há as diversões privadas, claro, mas é principalmente nesses dois espaços – e nos estádios de futebol – que as pessoas se encontram em grande número.
Não é coincidência que nesses três tipos de espaço venham ocorrendo problemas de convivência. Muita gente diz que há tempos não vai ao estádio, e é frequente que se ponha a culpa de briga de torcidas e de vandalismo nos estádios nos mais pobres. Quem nunca ouviu o argumento de que houve quebradeira no Couto Pereira porque “cobraram ingresso muito barato” (como se um vereador da cidade, irmão da vice-governadora, não tivesse sido flagrado em vídeo numa briga igual).
Nos parques as diferentes “Curitibas” também se encontram, assim como acontece nas praias do Rio de Janeiro, por exemplo. No entanto, nunca houve por aqui o mesmo tipo de movimento de exclusão como vem se tentando no Rio. Para quem não lembra, o governo vinha parando ônibus que iam da periferia para a zona sul e impedindo que jovens pobres prosseguissem o caminho se não tivessem dinheiro para voltar, por exemplo – uma clara afronta ao direito básico de ir e vir.
O primeiro conflito do gênero está ocorrendo em outro tipo de espaço, no shopping center. Especificamente no Palladium que, embora destinado à classe média e à classe média alta, fica a meio caminho entre a periferia e o centro. Curiosamente, atravessando a rua existe outro shopping, o Total, de perfil mais popular, onde não há registros de tumultos, arrastões nem nenhuma manifestação do gênero.
No Palladium, não é a primeira vez que há confusão. Mas na semana passada, o domingo foi especialmente violento, com jovens brigando e sendo detidos por seguranças, lojas fechando, comerciantes nervosos, funcionários revoltados – sem falar nos consumidores que não tinham nada a ver com a história e, claro, ficaram assustados. Quem não ficaria?
O shopping pediu e conseguiu uma liminar para impedir um “Encontro de vileiros” marcado via internet e que ocorreria dentro do Palladium. A liminar, do juiz Paulo Tourinho, diz que “os réus” devem se abster de brigar, fazer arrastão ou causar tumultos. Curiosamente, não fica claro quem são os “réus”. Não há nomes de entidades, muito menos de pessoas.
No terceiro item da liminar, é possível ter uma ideia mais clara de quem podem ser esses réus. O juiz determina que o shopping impeça a entrada e a permanência de menores desacompanhados – e faculta ao shopping o direito de pedir os documentos “das pessoas que pretendam ingressar no interior do estabelecimento”. Ou seja: se se quiser fazer vistas grossas, é possível. Pedem-se os documentos só de quem se achar que é o caso.
A “seleção” pode acontecer com base em vários critérios. Como se sabe até pelo nome do evento marcado, o problema é com os “vileiros”. Basta ver os comentários das pessoas revoltadas com a situação na internet para ver que, imediatamente, a culpa é posta nos “pobres” em geral. Mais ou menos como quando a prefeitura criou a passagem de ônibus a R$ 1 no domingo e houve quem criticasse dizendo que isso facilitaria a ida dos jovens da periferia para o centro…
No shopping, as cidades se encontram. Isso significa um entrecruzamento do Batel com as vilas. Se fosse para barrar só quem fez tumulto, seria razoavelmente simples. Assim como em qualquer crime, se a pessoa fizer algo, responde por aquilo. A liminar para impedir a entrada de pessoas independente de elas terem feito qualquer coisa (só por serem menores de idade?) mostra que pode ser outro objetivo. Uma seleção do público. Escolher apenas uma Curitiba.
Claro que quem erra tem de pagar. Mas o preço não pode ser o de se determinar por uma simples batida de olhos quem pode e quem não pode ser “um de nós”. O risco social é tão grande quanto o de confusões no shopping.
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