Da coluna Caixa Zero, publicada nesta quarta, na Gazeta do Povo:
Há países em que o Senado não propõe leis. É uma mera “casa revisora” da Câmara dos Deputados, da Câmara Baixa, ou como quer que se chame. Os senadores, normalmente mais experientes, têm o poder de baixar a bola dos deputados e dizer o que vale e o que não vale. Por aqui, decidiu-se que as duas Casas têm o mesmo poder. Mesmo assim, ganhamos uma Casa revisora. Chama-se Supremo Tribunal Federal.
O STF já cansou de legislar por essas bandas. Quando há um caso que ainda não foi decidido pelo Congresso, os ministros simplesmente acham que estão em posição de determinar qual é a lei do país. Vasculham a Constituição, votam em apenas 11 pessoas (que aliás não foram eleitas por voto popular) e decidem: a lei, agora, é esta.
Na semana que passou, o ministro Luiz Fux mostrou que o tribunal também assumiu a função de revisar o trabalho dos parlamentares. Veja bem: o supremo tem todo o direito de dizer que uma lei é inconstitucional. Faz parte de seu trabalho. Mas só pode derrubar a legislação quando ela claramente afronta as regras principais do país. Quando vai contra a Constituição.
Suponha que alguém queira implantar a pena de morte no país, ou a prisão perpétua. O Supremo tem a obrigação de derrubar a lei, já que a Constituição diz claramente que no Brasil isso não pode ocorrer. Se alguém sugerir separar o Sul do país, idem. Se alguém quiser forçar os presos a trabalhar, a mesma coisa. A Constituição não permite e qualquer deputado (ou candidato) que proponha isso está certamente só jogando para a torcida.
O que não pode, porém, é o juiz decidir impor simplesmente o seu ponto de vista sobre como deve ser a lei. Veja-se o caso da Ficha Limpa. O STF decide por esses dias se a lei (que barra candidatos condenados em segunda instância) é ou não inconstitucional. Luiz Fux deu seu voto. E falou que a lei é válida, mas que contém certos pontos que ele considera excessivos.
Por exemplo, o ministro acha que tirar os direitos políticos de um ficha suja por oito anos é muito. E que é demais punir alguém que renunciou ao cargo para não ser cassado. Diz o ministro que isso fere o princípio da proporcionalidade exigido pela Constituição. O julgamento não chegou ao fim: foi interrompido porque outro ministro pediu vista. No meio tempo, Fux viu que a coisa pegou mal e já falou em rever o voto.
Luiz Edson Fachin, professor de Direito da UFPR e sempre cotado para o Supremo, diz que a posição de Fux era questionável antes de ele falar em mudar o voto. E ficou mais questionável depois. “Essa instabilidade não fica bem num ministro da Corte Suprema”, diz o professor.
Sobre a desproporcionalidade, Fachin diz que, além da subjetividade (o ministro “acha” que é punição demais), há um outro problema. Fica parecendo que o Supremo se dobrou a interesses particulares, do momento.
No fundo, todo mundo quer mais poder do que tem. É natural que os ministros queiram ver a lei do jeitinho que eles gostam. Mas o fato é que não é papel deles fazer isso. Falando em português claro: estão metendo o nariz onde não foram chamados. A “inconstitucionalidade” que Fux viu na lei pode estar só na cabeça dele. E não na Constituição.
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