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Trump, Hitler e os falsos liberais têm mais em comum do que pode parecer

Nesses dias, falou-se sobre nazismo e neonazistas como não se falava há muito tempo. Como sempre, em tempo de polarização e mídias sociais, falou-se muita bobagem também. Mas é importante pôr os pingos nos is porque o assunto é sério demais.

O que parece que deveríamos estar discutindo, muito mais do que a filiação do nazismo a alguma corrente ideológica, é o que está acontecendo. E como evitar que continue acontecendo. Porque, convenhamos, a última coisa de que o mundo precisa é da maior potência mundial abalada por um grupo de extremistas, seja de que lado for.

Há dois fatos altamente preocupantes nos eventos da Virgínia. O primeiro é, em si, um grupo ter saído de tochas na mão, com suásticas e bandeiras confederadas, falando em ódio a judeus e pregando a supremacia branca. O outro é esse grupo ter uma afinidade tão grande com o presidente Trump.

Primeiro de tudo: o que é o nazismo? E por que ele poderia estar ressurgindo?

Contra o progresso

O nazismo surge na primeira metade do século vinte como um movimento de reação. Reação a duas forças políticas dominantes da Europa da época: o liberalismo capitalista e o bolchevismo soviético. Os nazistas detestavam as duas opções, que lhes pareciam ambas degenerações do que era a verdadeira vida boa.

A vida exemplar do pensamento nazista não era contemplada nem por liberais nem por esquerdistas, simplesmente porque as duas correntes acreditavam no progresso como uma ideia positiva.

Os capitalistas criam na revolução trazida pela indústria, que libertou o homem de suas tarefas mais duras e melhorou a qualidade de vida. Achavam que o “desencantamento” do mundo era bom para todos. Nada mais de místicas, de crenças irracionais. O progresso nos mostrava uma vida mais simples, mais fácil, com menos sofrimento e menos tabus.

O capitalismo, como admitia o próprio Marx, era revolucionário. A burguesia acabou com um estilo de vida, com a separação da sociedade em hierarquias rígidas, determinou que todos eram iguais diante da lei. Os reis perderam a coroa (quando não a cabeça) e nada mais era sagrado diante do capital.

Os comunistas queriam ir ainda mais longe. Achavam que a revolução burguesa seria superada por outra ainda mais radical, em que todos seriam iguais, não haveria mais classes e a humanidade chegaria a um idílio em que não haveria nenhum resquício das sociedades pré-burguesas.

Em busca do passado

Os nazistas, pelo contrário, tinham horror a essa ideia de progresso como algo sempre positivo. Viam na perda do sagrado uma heresia; na perda do rei uma falta de referência; no defenestramento da religião o caminho para a perdição. E queriam recuperar uma tradição (imaginada) em que o líder político restabelecesse uma moral santa.

Acreditavam numa ordem fixa e imutável do mundo que estava sendo desvirtuada não só por correntes políticas como pelo próprio progresso. E colocavam a culpa de tudo isso, simbolicamente, no judeu.

Se tudo isso era assim quase cem anos atrás, imagine o que pensa alguém com uma mentalidade mais ou menos semelhante nos dias de hoje – quando as mudanças são muito mais rápidas e devastadoras e quando cada vez mais tradições são quebradas.

O que assusta os neonazis e os supremacistas brancos e todos os que parecem simpatizar com eles são essas mudanças. Menos as mudanças econômicas, parece; e mais as de comportamento. Movimentos LGBT. Casamento gay. Adoção por homossexuais. Direitos das mulheres. Igualdade racial. A normalização do ateísmo. A aceitação do “outro” como um sujeito de direitos igualzinho ao homem branco, hétero, religioso.

Basta ouvir os discursos. O “outro” (o judeu, o muçulmano, a mulher) é uma ameaça, alguém que quer roubar o lugar de quem tem mais direito e reescrever a história. Acabar com as tradições. Terminar de vez com um mundo idílico e substituí-lo por uma distopia.

E a única reação possível é a ameaça frontal a tudo isso. Violência em nome da retomada de um passado de glória inexistente. De um sagrado que se vê nu.

Trump é quase isso

Trump foi a vitória dessa mentalidade nas urnas. Os americanos não queriam apenas mais um político. Alguém com perfil de tecnocrata. Chega dos liberais que prometem progresso e igualdade. Chega dos republicanos que pregam moderação. Era preciso algo novo.

Trump não é um nazista. Mas sua afinidade com o discurso de retomada de um passado idílico é notável. Fazer a América grande de novo. Como era antes de Obama? Como era antes do progresso! Dos liberais. De FDR. E, na leitura de alguns, por que não? antes das concessões de direitos às minorias. Uma América grande e branca, a América do passado em que não havia cotas, trans e toda essa bobajada politicamente correta.

É o mesmo mundo, curiosamente, que quer uma certa direita igualmente autoritária mas que se diz “liberal”.

Trump não tem como odiar os que são tão parecidos com ele. O impulso por trás da marcha de Charlottesville foi o que o levou à Presidência. O impulso nostálgico por um mundo de ordem e sem caos. De força contra a novidade. De retorno a um mundo mais simples em que não seja necessário ficar pensando antes de falar – Trump certamente não o faz.

Os neonazistas gostam de Trump. Não haveria por que ser diferente. Ele é uma versão light dos seus sonhos.

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