O crítico de cinema Rubens Ewald Filho uma vez começou uma palestra sobre história do cinema dizendo que ninguém se iludisse. “Cinema é maravilhoso, é minha paixão. Mas é tudo feito com dinheiro de cocaína.” Claro que é um exagero. Mas cinema, de fato, é um dos lugares perfeitos para se lavar dinheiro sujo.
O melhor esquema para lavar dinheiro é sempre botar grana em algo que é difícil de mensurar. Publicidade, por exemplo (lembra do valerioduto?). Como é que você vai dizer que a contratação do ator não custou aquilo? Que o locutor não cobrou aquela grana? Que a compra de espaço não valeu tudo aquilo? É tudo questionável, variável.
Eleições são exatamente isso. Dá para fazer todo tipo de chuncho. Primeiro, porque há milhões envolvidos – segundo se está revelando agora, talvez R$ 1 bilhão em uma campanha presidencial. E de novo há muitas coisas difíceis de mensurar. Preço de produtora. De instituto de pesquisa. Tracking diário. Serviços de publicidade, etc.
Por fora
Sempre se soube que as campanhas custavam mais do que o registrado. Que empresas “compravam” a boa vontade dos eleitos dando uma graninha por fora (normalmente suja). Que depois havia uma recompensa, às vezes imediata, às vezes mais demorada.
Agora, o TSE pela primeira vez tinha a faca e o queijo na mão para dar um basta a isso. O sujeito foi pego com o cadáver do lado, sozinho na sala, com o revólver fumegando e impressão de pólvora nos dedos. Sabe-se quem vendeu a arma e a balística mostra que veio daquele revólver.
Pode ser que haja argumentos técnicos a favor da absolvição de Temer. Sempre há argumentos técnicos a favor de qualquer coisa em Direito. O ministro Marco Aurélio Melo, no seu jeito estranhamente franco, disse certa vez que o negócio é primeiro decidir o veredito e depois sair à cata de leis e jurisprudência que embasem aquilo. Gilmar Mendes parece ser adepto da prática.
Mensagem
O TSE está desperdiçando a chance de mostrar que não é só a Lava Jato. Que o país não aguenta mais as práticas ilícitas cometidas em nome da “estabilidade”. Da “governabilidade”. Que não se admite mais que aquilo que todo mundo sabe que está errado continue acontecendo mesmo assim, debaixo das nossas barbas.
Dilma foi derrubada e todo mundo sabe que, em grande medida, mereceu. Mas que também havia ali um travo de decisão partidária – e o impeachment, como processo político, permite isso. Mas a Justiça? Não deveria estar vendadinha.
É evidente que o TSE está decidindo o que pode e o que não pode de acordo com o sujeito da frase. O que vale para Chico não vale para Francisco. Herman Benjamin mostrou isso
à exaustão citando decisões do próprio Gilmar Mendes que contrariam o que Gilmar Mendes diz agora. Para salvar Temer?
Depende de quem compra
Em 2004, o mesmíssimo TSE que caminha para absolver o caso mais evidente de compra da Presidência da República em nossa história, cassou um senador da República por ter supostamente comprado dois votos no Amapá. Dois votos, apenas. Uma brincadeira de criança perto do que a chapa Dilma-Temer fez.
Mas Temer não é um governador de um Estado pequeno. E terá a benevolência dos que querem que tudo permaneça como está. Daqueles que, como Gilmar Mendes, acham um absurdo acabar com as doações empresarias às campanhas políticas.
Parece haver os que querem que a Presidência continue sendo objeto de compra e venda. Gilmar Mendes está se alinhando com eles. A Odebrecht saiu limpinha da história toda. Temer pode ter o mesmo caminho. Quem sabe não se encontram de novo em breve: um financiando, o outro sendo financiado. E todos absolvidos antecipadamente por serem quem são.
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