Sede do jornal “O Estado de S.Paulo”, em foto de 2008.| Foto: Luís Dantas/Wikimedia Commons/Domínio público
Ouça este conteúdo

O próximo mês de janeiro será um marco importante para o jornalismo brasileiro. O Estadão completará 150 anos. No dia 4 de janeiro de 1875, uma segunda-feira, nascia o jornal A Província de São Paulo. Fundado por um grupo de liberais de ideais republicanos quando o Brasil ainda vivia sob o regime imperial, o jornal trazia na capa de sua primeira edição os princípios que fariam da publicação uma das mais longevas do país.

CARREGANDO :)

“Não sendo órgão de partido algum nem estando em seus intuitos advogar os interesses de qualquer deles, e por isso mesmo colocando-se em posição de escapar às imposições do governo, às paixões partidárias e às seduções inerentes aos que aspiram ao poder e seus proventos, conta A Província de São Paulo fazer da sua independência o apanágio de sua força e a medida da severa moderação, sisudez, franqueza, lealdade e critério em que fundará o salutar prestígio a que destina-se a imprensa livre e consciente”, dizia o texto publicado junto ao nome dos 21 fundadores.

Desde a fundação, O Estado de S.Paulo, como o jornal passou a se chamar após a Proclamação da República (ou Estadão, como a sociedade apelidou espontaneamente o diário) noticiou e teve atuação decisiva nos principais acontecimentos da cidade, do país e do mundo. Passadas a abolição da escravidão e o início do regime republicano, causas que defendeu em suas páginas, o jornal, além da sua função de informar, protagonizaria momentos importantes da história.

Publicidade

O jornalismo vai morrer? Não. Nunca se consumiu tanta informação como na atualidade

O Estadão sempre foi, e continuará sendo, fiel observador e um corajoso protagonista da nossa história. Tenho o orgulho de, a cada 15 dias, manter uma conversa agradável também com o leitor desse jornal. Sempre gozei de completa liberdade no tratamento dos temas mais variados. Em nenhum momento, ao longo de um tempo não pequeno, recebi quaisquer orientações e muito menos vetos. O Estadão acredita na liberdade e no sadio pluralismo, desde que praticado com honestidade intelectual.

Ao comemorar seus 150 anos, uma marca invejável, o Estadão olha para o futuro e encara novos desafios e novas oportunidades. Não perde, no entanto, um sadio realismo e uma oportuna autocrítica. 

O jornalismo está fustigado não apenas por uma crise grave. Vive uma mudança cultural vertiginosa, enlouquecida, mas fascinante. A revolução digital é um processo disruptivo. Quebra todos os moldes e exige uma baita reinvenção. Quem não tiver disposição de mudar a própria cabeça, rápida e efetivamente, deve mudar de ramo.

O jornalismo vai morrer? Não. Nunca se consumiu tanta informação como na atualidade. O modelo de negócios está na UTI. A publicidade tradicional evaporou-se. E não voltará. Além disso, perdemos o domínio da narrativa. 

Publicidade

O modo de produzir informação e o diálogo com o consumidor romperam o modelo tradicional. Não é mais vertical, mas horizontal. As pessoas rejeitam intermediações – dos partidos, das igrejas, das corporações, dos veículos de comunicação. O que fazer? Olhar para trás? Tentar fazer mudanças cosméticas? Não. Precisamos olhar para a frente e descobrir incríveis oportunidades. 

Mas é preciso, previamente, fazer uma autocrítica corajosa a respeito do modo como vemos o mundo e dialogamos com ele. Navegamos, todos, freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Ficamos reféns da superficialidade. Perdemos contexto e sensibilidade crítica.

O valor do jornalismo se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética, inovação. O Brasil precisa da segurança da informação confiável

É preciso reinventar o jornalismo e recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e a magia do jornalismo de sempre. É preciso contar boas histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história. Sucumbe-se, frequentemente, ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos. 

A crise do jornalismo está intimamente relacionada com a perda de qualidade do conteúdo, com o perigoso abandono de sua vocação pública e com sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo privado. É preciso recuperar o entusiasmo do “velho ofício”. É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. O valor do jornalismo se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética, inovação. O Brasil precisa da segurança da informação confiável. 

Publicidade

A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso encantar o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasil oficial e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência. Além disso, os consumidores estão cansados do baixo-astral da imprensa. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia. Ela também existe. E vende o produto.

Um brinde ao Estadão e feliz Natal a todos!

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]