Estava eu, recentemente, no saguão de um hotel em Fortaleza. Enquanto esperava um amigo jornalista que me convidou para a clássica peixada daquela terra acolhedora, iniciei um papo com o jovem concierge. Conversa vai, conversa vem, comentou que meu rosto não lhe era estranho e perguntou o meu nome. Puxa, sou seu leitor na Gazeta do Povo, jornal do Paraná. Fiquei surpreso. Mas a coisa não parou por aí. Disse-me que sintonizava com a linha editorial do jornal e passou a discorrer sobre grandes autores do conservadorismo. Roger Scruton é um de seus preferidos.
A conversa, rápida e agradável, suscitou uma reflexão que avançou ao longo do dia. O conservadorismo, frequentemente maltratado e incompreendido, é um fenômeno em ascensão. E não pode ser jogado na catacumba das nossas coberturas ou tratado de modo caricato. Merece uma análise. É o que tentarei fazer neste espaço opinativo, saudavelmente aberto e plural.
Impõe-se analisar o fato. O conservadorismo está presente num contingente expressivo da sociedade brasileira, inclusive entre os jovens. É preciso entender a razão dos outros, mesmo quando não coincidam com a nossa.
Mais da metade da população brasileira não se alinha com a história, a ideologia, as práticas e a agenda da esquerda. Trata-se de um fato. Boa parte dos brasileiros descobriu e se identificou com valores, pensamentos e práticas que podem ser chamadas de conservadoras. O advento das redes sociais, rompendo a hegemonia da agenda pública e cultural, gerou o fenômeno da desintermediação disruptiva. Novos personagens ocuparam o espaço das discussões e das reflexões, disseminando essa perspectiva que se ancora em valores tradicionais e enaltece o indivíduo e a liberdade responsável.
Mais da metade da população brasileira não se alinha com a história, a ideologia, as práticas e a agenda da esquerda. Trata-se de um fato
Na tentativa de desqualificar os anseios e aspirações conservadoras e liberais, vozes de esquerda rotulam de bolsonaristas a todos que não se alinhem com seu campo, tentando reduzir a ascensão dos conservadores a um personagem controverso e conflitivo. O fenômeno do conservadorismo é maior, ultrapassa e independerá de Jair Bolsonaro.
Além disso, a esquerda também se esforça para que o conservadorismo não seja devidamente difundido e conhecido em suas propostas basilares, pois percebe que a ocupação do espaço político por uma cultura conservadora é o maior e mais poderoso obstáculo às suas pretensões hegemônicas. O conservadorismo, não apenas tem o direito de existir como tem se mostrado muito representativo de boa parcela, talvez da maior parcela, da população brasileira.
O mundo experimenta esta tendência. Até pouco tempo atrás, a leitura e a repercussão dos acontecimentos estavam sempre, ou quase sempre, moduladas e filtradas por um olhar iluminista e marxista. As pessoas, mesmo na contramão de um sistema de poder coletivista e hegemônico, descobriram a força e o brilho da liberdade.
A reação dos caudilhos do espaço cultural, agressiva e desproporcionada, indica que se tocou em um ponto sensível. A percepção da mudança do pêndulo da História, cada vez mais clara e patente, gerou a estratégia clássica de desqualificação da opinião alheia, os cancelamentos e a demonização de quem se atreve a pensar fora dos limites impostos pelo totalitarismo ideológico.
O fenômeno do conservadorismo é maior, ultrapassa e independerá de Jair Bolsonaro
A atual intolerância execra - sem dar audiência ao adversário, tampouco manter o respeito por ele - os pensamentos que divergem dos seus “dogmas” e não hesita em mobilizar a “inquisição” de certos setores para achincalhar -sem o menor respeito pelo diálogo- ideias ou posições opostas ao seu dogmatismo. Ao longo da história, um dos principais males da esquerda sempre foi não duvidar de si mesma. Tudo são certezas e dogmas.
O pensamento conservador e liberal - profundo, sério e bem fundamentado - assusta e desestabiliza os detentores de uma hegemonia que começa experimentar o sabor do ocaso. O conservadorismo busca a primazia do indivíduo, da liberdade de expressão, da igualdade de condições perante leis e direitos, de uma educação sem doutrinação, da limitação da ingerência do Estado e da defesa da família.
Vivemos tempos surpreendentes. A pandemia sacudiu o mundo. Rompeu esquemas, derrubou projetos, ceifou vidas, apagou sonhos. Pobres e ricos, governantes democráticos e ditatoriais, poderosos e desvalidos -todos- foram algemados pela impotência. O globalismo foi sacudido. Imagens de praças, ruas e avenidas fantasmas e de um mundo vestido de vazio reforçaram a percepção da fragilidade. A Terra ficou de joelhos diante do imponderável. Prenunciou-se o resgate do transcendente, dos valores e o ocaso da arrogância racionalista. É neste caldo de cultura, imerso em uma profunda nostalgia da valores e de liberdade, que o conservadorismo é a bola da vez. Uma das principais lições do pensamento conservador é que a realidade é complexa demais e nós somos excessivamente falhos.
O jornalismo não pode ficar de costas para o fenômeno conservador. Precisamos entender e dialogar com os valores, ideias e demandas da sociedade. Caso contrário, corremos o risco de perder relevância ao não falar adequadamente de temas e assuntos de interesse dos leitores.
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