Findo o segundo turno das eleições, em uma situação inédita no país, um número expressivo de brasileiros foi às ruas, em muitas cidades, para protestar contra o desfecho do pleito, por considerar que o resultado de margem muito estreita foi permeado por decisões questionáveis e não isentas do TSE. Mobilizações multitudinárias prosseguem e preocupam. Mostram um país dividido e fortemente polarizado. É preciso fazer um grande esforço, sereno e honesto, de pacificação. E isso exige entender o que realmente está acontecendo.
Os protestos serão mesmo antidemocráticos? Ou será que a liberdade de expressão, claramente defendida na Constituição, está sendo reinterpretada e corroída numa velocidade perigosa? Desqualificar quem não pensa como nós não pacifica. Ao contrário, acirra os ânimos. É preciso entender a razão dos outros, mesmo quando não coincidam essencialmente com a nossa.
Bloqueios em estradas, por óbvio, violam a lei, impedem o direito de ir e vir, causam desabastecimento e provocam o caos. São inaceitáveis. Pedir a intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral é legítimo? A resposta da Constituição é claramente negativa.
Desqualificar quem não pensa como nós não pacifica. Ao contrário, acirra os ânimos. É preciso entender a razão dos outros, mesmo quando não coincidam essencialmente com a nossa
Há várias razões para entender a indignação com a eleição de Lula e é legítimo protestar nas ruas e praças, como sempre foi e sempre será na democracia. Mas o único caminho da mudança está dentro do processo democrático. Não fora dele. Exige estratégia, perseverança e destreza política.
Qualificar como antidemocráticos quaisquer questionamentos não é um bom exemplo de conciliação ou pacificação e parece mostrar um enorme incômodo com o posicionamento de mais da metade da população brasileira que não se alinha com a história, a ideologia, as práticas e a agenda da esquerda.
Esse incômodo e essa expressão canhestra de intolerância com quem pensa diferente parece querer desconsiderar uma nova realidade que vem se consolidando ao longo dos últimos anos: boa parte dos brasileiros descobriu e se identificou com valores, pensamentos e práticas que podem ser chamadas de conservadoras. O advento das redes sociais, rompendo a hegemonia da agenda pública e cultural, gerou o fenômeno da desintermediação disruptiva. Novos personagens ocuparam o espaço das discussões e das reflexões e têm disseminado essa perspectiva que enaltece o indivíduo e a liberdade responsável.
O atual presidente tem servido muito mais como um representante desses anseios e aspirações conservadoras e liberais do que seu ativo orquestrador. O rótulo “bolsonarista” serve principalmente às vozes de esquerda, que de forma bastante estridente rotula de “bolsonaristas” a todos que não se alinhem com seu campo, tentando reduzir a ascensão dos conservadores a um personagem controverso e conflitivo. O fenômeno do conservadorismo é maior, ultrapassa e independerá de Jair Bolsonaro.
Além disso, a esquerda também se esforça para que o conservadorismo não seja devidamente difundido e conhecido em suas propostas basilares, pois percebe que a ocupação do espaço político por uma cultura conservadora é o maior e mais poderoso obstáculo às suas pretensões hegemônicas. O conservadorismo não apenas tem o direito de existir como tem se mostrado muito representativo de boa parcela – talvez da maior parcela – da população brasileira.
O pensamento conservador tem raízes em Aristóteles, São Tomás de Aquino, John Locke, Montesquieu, Adam Smith, Edmund Burke e Alexis de Tocqueville. No Brasil, podemos destacar José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Gustavo Corção e Mário Ferreira dos Santos, entre outros. Alguns autores estrangeiros, no entanto, foram especialmente felizes em suas sínteses sobre o significado do conservadorismo, tais como Russell Kirk e Roger Scruton.
O jornalismo, com serenidade e sem preconceitos, precisa voltar o seu olhar para o fenômeno conservador. Ele é uma realidade e mostrou sua força nas eleições. O conservadorismo é maior, ultrapassa e independerá de Jair Bolsonaro
O conservadorismo é o único contraponto às ideias de uma esquerda radical que têm se mostrado humana e economicamente desastrosas em todos os países onde são impostas. Nas palavras de Russell Kirk, a humanidade precisa, “por meio de um conjunto coerente de ideias”, preservar “os elementos da civilização que fazem com que a vida valha a pena ser vivida”.
O jornalismo, com serenidade e sem preconceitos, precisa voltar o seu olhar para o fenômeno conservador. Ele é uma realidade e mostrou sua força nas eleições. Não podemos desconhecer ou desqualificar o fato.
O desengajamento do público com as empresas de mídia tradicionais já é uma dura realidade. Portanto, como bem salientou o jornalista e cientista político João Arantes, “para além do dever ético da profissão buscar sempre um alto grau de isenção e um compromisso total com a verdade, a própria moderação na escolha das pautas e a abordagem das matérias é, também, uma questão de sobrevivência dos jornais tal qual o conhecemos”.
O jornalismo, por óbvio, não pode ficar refém do público. A independência é parte importante do nosso ofício. No entanto, é necessário dialogar com os valores, ideias e necessidades da sociedade. Caso contrário, corremos o risco de perder relevância ao não falar adequadamente de temas e assuntos de interesse dos leitores, além de permitir que a tendência de migração da audiência para outras fontes de informação continue em crescimento.
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