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Decidi falar sobre corrupção. Mais uma vez. Não é uma obsessão. Trata-se do combate prioritário. A imensa maioria dos brasileiros é honrada, trabalhadora, generosa. Mas vive encurralada por uma minoria militante e poderosa.
Armados de um cinismo cortante, argumentam que a Operação Lava Jato, “com sua sanha punitiva”, destruiu empresas, criminalizou a política e condenou inocentes. Como se não existissem confissões documentadas, provas robustas e milhões devolvidos aos cofres como resultado de acordos. Quem devolve, por óbvio, reconhece o roubo. Para essa gente, no entanto, tudo isso precisa ser apagado. Mentem. Compulsivamente. Mentem com voz melíflua, sem ruborizar e mover um músculo do rosto. São exímios na arte da falsidade.
A recente condenação do ex-procurador Deltan Dallagnol pelo Tribunal de Contas da União (TCU) é, sem dúvida, um dos capítulos mais dramáticos na sequência de desmandos que vêm transformando a Justiça brasileira na instituição de menor credibilidade no país. Protegem-se os corruptos, sobretudo o líder inconteste da criminalidade. Descaradamente. Usam-se artifícios formais para deformar a justiça. Mas os que combatem os delitos são perseguidos e punidos. Trata-se de um recado claro: o crime compensa.
Protegem-se os corruptos, sobretudo o líder inconteste da criminalidade. Descaradamente. Usam-se artifícios formais para deformar a justiça. Mas os que combatem os delitos são perseguidos e punidos
Fui abordado, lá se vão alguns anos, por um estudante. Inteligente, leitor voraz e, como todo jovem, com o coração transbordando idealismo. No entanto, seus olhos tinham perdido um pouco do brilho e emitiam um sinal de desalento. “Deixei de ler jornais”, disse de supetão. “Não adianta o trabalho da imprensa”, prosseguiu meu interlocutor. “A impunidade venceu.” Confesso, caro leitor, que meu otimismo natural estremeceu. Não se tratava do comentário de alguém situado no lusco-fusco da existência. Não. Era o diagnóstico de quem estava nascendo para a vida. Por uns momentos, talvez excessivamente longos, uma pesada cortina toldou o meu espírito. A corrupção, pensei, está sequestrando a esperança da juventude.
Dei uma respirada e acabei reagindo, pois acredito na imensa capacidade humana de reconstruir a vida e olhar para a frente. O Brasil, não obstante os reiterados esforços de implosão da verdade (a mentira e o cinismo tomaram conta da vida pública), ainda conserva importantes reservas éticas. Escrevo, por isso, aos homens de bem, aos jovens que têm brilho nos olhos. Eles existem. E são mais numerosos do que podem imaginar os voluptuosos detentores do poder.
Escrevo aos políticos, ainda poucos, que acreditam que a razão de ser do seu mandato é um genuíno serviço à sociedade. Escrevo aos magistrados, aos membros do Ministério Público, aos policiais, aos militares, aos servidores do Estado. Escrevo aos educadores, aos estudantes, às instituições representativas dos diversos setores da sociedade. Escrevo aos meus colegas da imprensa, depositários da esperança de uma sociedade traída por suas autoridades. Escrevo aos pais de família. Escrevo, enfim, ao meu jovem interlocutor. Quero justificar as razões do meu otimismo. Faço-o agora. O Brasil está, de fato, passando por uma profunda crise ética. A corrupção, infelizmente, sempre existirá. Ela é a confirmação cotidiana da existência do pecado original. Mas uma coisa é a miséria do homem; outra, totalmente diferente, é a indústria da corrupção. Esta, sem dúvida, deve ser combatida com força plena. Por você, por cada um de nós. Com o vigor transformador do voto.
O mal não tem a última palavra. A corrupção algema a sociedade. A corrupção desvia para o ralo da bandidagem recursos que podiam ser investidos em saúde, educação, segurança pública etc. A corrupção empurra crianças famintas para a catástrofe da prostituição infantil. O Brasil não vai mais contemporizar. Cabe a nós, jornalistas e formadores de opinião, assumirmos o papel de memória da cidadania. Não podemos deixar cair a peteca. Revisitaremos todos os meandros daquele que já foi definido como o maior escândalo de corrupção da história do mundo. Trata-se de um dever ético inescapável.
Mas, para além das trincheiras internas, a guerra contra a corrupção brasileira ganhou dimensão internacional. Como salientou a promotora Luciana Asper, em entrevista exclusiva que me concedeu, a irrefutável gravidade dos impactos da corrupção para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, a certeza de que as estratégias de enfrentamento da corrupção estão globalizadas, a notoriedade internacional do Brasil como país de elevada percepção da corrupção, a aplicação prática dos tratados e cooperações internacionais para o combate à corrupção e a imposição da cultura da integridade pública mudam, por completo, o paradigma de fazer negócios no Brasil e com o Brasil. Resistir a esta verdade e não se adaptar é o mesmo que receber o diagnóstico de uma doença grave e acreditar que ela vai desaparecer sem o devido tratamento.
A corrupção como modelo de negócio está com seus dias contados. A governança do roubo e da delinquência será um suicídio político e empresarial. Nós, jornalistas e formadores de opinião, temos o dever profissional e ético de jogar muita luz nas trevas da corrupção.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos