Domingo, 21 de maio de 2017. Começa uma megaoperação da polícia na cracolândia, na zona central de São Paulo. Gritaria, corre-corre, bombas de gás lacrimogêneo. Centenas de policiais fazem uma varredura na região e, ao lado de funcionários da prefeitura e de máquinas retroescavadeiras, desmantelam o cenário de morte e autodestruição humana que, vergonhosamente, convive com a cidade mais rica do país.
O então prefeito João Doria gravou um vídeo para as redes sociais. Foi enfático: “A cracolândia aqui acabou, não vai voltar mais. Nem a prefeitura permitirá nem o governo do estado. A partir de hoje, isso é passado”. Foi precipitado. Não acabou. Com a dispersão dos usuários, uma nova cracolândia surgiu a menos de 400 metros da antiga, na Praça Princesa Isabel. O tráfico e o uso de crack continuaram. Outras cracolândias brotaram, do Minhocão à Avenida Paulista. Passados cinco anos e alguns prefeitos, muitas promessas e poucos fatos, a coisa só piorou.
Não é possível conviver com uma cidade assustadora: edifícios pichados, prédios invadidos, gente sofrida e abandonada, prostituição a céu aberto, zumbis afundados no crack, uma cidade sem alma e desfigurada pelas cicatrizes da ausência criminosa do poder público. Impõe-se uma ação articulada com todos os atores: governo, Judiciário, sociedade.
Com a dispersão dos usuários, uma nova cracolândia surgiu a menos de 400 metros da antiga. O tráfico e o uso de crack continuaram. Outras cracolândias brotaram, do Minhocão à Avenida Paulista. A cidade de São Paulo foi demitida por seus governantes
A cidade de São Paulo foi demitida por seus governantes. A capital mais rica do país, com um dos maiores orçamentos públicos, tem sido um retrato de corpo inteiro da ineficiência do Estado. E nós, jornalistas, precisamos mostrar a realidade.
Voltemos ao tema das drogas. A dependência química tem muitas frentes: questões sociais, humanitárias, de saúde, combate ao crime, fortalecimento das entidades de recuperação de adictos, batalhas jurídicas e enfrentamento dos dogmas ideológicos. Basta pensar, amigo leitor, na gritaria contra as internações compulsórias. Sem decisão livre, por óbvio, não há recuperação consistente. O dependente precisa querer. Mas para exercer a liberdade é preciso ter um mínimo de capacidade de discernimento. A internação compulsória, não indiscriminada e feita com aval psiquiátrico, pode representar a ruptura das algemas que aprisionam o dependente num círculo infernal.
A política transformou-se num espetáculo. A discussão das ideias e dos planos de governo sucumbiu às interdições da ditadura politicamente correta e às regras ditadas pela produção de um show. Temas relevantes para o futuro da sociedade primam pela ausência. Não se discute um projeto sério para a segurança pública, não obstante a surpreendente desenvoltura das facções criminosas. Enquanto isso, caro leitor, a violência avança impune e seu principal estopim, o mercado das drogas, continua fora da agenda pública.
Multiplicam-se, paradoxalmente, declarações otimistas a respeito das estratégias de redução de danos. O essencial, imaginam os defensores da nova política, não é a interrupção imediata do uso de drogas pelo dependente, mas que ele tenha uma melhora em suas condições gerais. A opção pela redução de danos pode ser justificada em determinadas situações, mas não deve ser guindada à condição de política pública.
Mas os “vanguardistas” não desistem. Eles têm voz e voto dentro do Supremo Tribunal Federal. Defendem, irresponsavelmente, a criação de locais especiais de “uso seguro” das drogas para dependentes graves. Nesses espaços não haveria repressão ao consumo. Os viciados seriam estimulados a substituir drogas pesadas por outras supostamente leves, como a maconha. A pretensa inocuidade da maconha termina, muitas vezes, no sequestro da esperança e do futuro.
A opção pela redução de danos pode ser justificada em determinadas situações, mas não deve ser guindada à condição de política pública
Observa-se, na contramão da realidade que grita nas trágicas esquinas das cracolândias, um crescente movimento a favor da descriminalização das drogas, sobretudo da maconha. Bandeira frequentemente agitada em certos setores do entretenimento e em alguns redutos de profissionais da saúde pública, a descriminalização não ajudará nada. Ao contrário. Agravará, e muito, o drama das pessoas e da cidade.
A verdade precisa ser dita. Não se pode sucumbir à síndrome da avestruz quando o que está em jogo é a vida das pessoas. O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude. Ele avança e vai ceifando vidas nas cracolândias, nos barracos da periferia abandonada e no auê dos bares e boates frequentados pela juventude bem-nascida. Movimenta muito dinheiro. Seu poder corruptor anula, na prática, estratégias meramente repressivas. A prevenção e a recuperação, as únicas armas eficazes em médio e longo prazos, reclamam apoio mais efetivo do governo e da iniciativa privada às instituições sérias que lutam pela reabilitação de dependentes. É sempre melhor apoiar o que já funciona do que cair na tentação de criar novas estruturas.
São Paulo e o Brasil precisam encarar a realidade ou corremos o risco de sermos engolidos pelos horrores de um progressivo narcoestado.
STF decide sobre atuação da polícia de São Paulo e interfere na gestão de Tarcísio
Esquerda tenta mudar regra eleitoral para impedir maioria conservadora no Senado após 2026
Falas de ministros do STF revelam pouco caso com princípios democráticos
Sob pressão do mercado e enfraquecido no governo, Haddad atravessa seu pior momento
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS