Tenho respeito pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de instituição essencial para o bom funcionamento da democracia. Conheço alguns de seus ministros e tenho especial apreço pelo ministro Luiz Fux, ex-presidente da corte. Seu discurso de posse na presidência foi uma peça promissora. Foi claro no seu apoio ao combate à corrupção, na sua explícita desconformidade com o ativismo judicial, no seu deferente respeito à independência e legítima autonomia dos poderes da República e no seu renovado compromisso com as liberdades de imprensa e de expressão.
Mas uma andorinha só não faz verão. Infelizmente. De lá para cá muita coisa aconteceu e a credibilidade da corte vive um perigoso clima de sol poente. As instituições não são abstrações. Encarnam-se nas pessoas concretas que a compõem. A credibilidade da corte depende, e muito, das atitudes dos seus integrantes. Perdida a credibilidade, queiramos ou não, abre-se o perigoso atalho para o questionamento da legitimidade.
O STF, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer a credibilidade. É hoje, lamentavelmente, uma das instituições com maior rejeição. E isso é um grave risco para a democracia.
Não tratarei aqui dos arranhões na imagem da corte provocados pelo excesso de exposição e conflito de interesses de alguns dos seus integrantes. O episódio de Nova York, por óbvio, não fez bem à imagem da instituição. Detenho-me em algo que, a meu ver, tem gravíssimas consequências para o funcionamento da democracia brasileira: o desrespeito à liberdade de expressão.
Não se combatem fake news com censura, limitações à liberdade de expressão e prisões arbitrárias e ilegais. Quem vai dizer o que podemos ou não consumir? Quem vai definir o que é ou não fake news? O Estado? Alexandre de Moraes?
O título de um recente editorial da Gazeta do Povo foi ao cerne da questão: “Retomada do respeito à liberdade de expressão, a prioridade número um do país”. Jamais poderia imaginar que um dos pilares do Estado Democrático de Direito pudesse, em nome da democracia, ser gravemente solapado por aqueles que têm o dever de preservá-lo e defendê-lo.
Como bem salientou o editorial mencionado, o combate à mentira factual, que deveria se pautar pelo que o ministro Alexandre de Moraes chamou de “intervenção mínima” ao tomar posse na presidência da corte eleitoral, acabou não tendo nada de mínimo. “Em vez da ação pontual destinada a remover da propaganda eleitoral e das mídias sociais as informações factuais comprovadamente falsas, dezenas – talvez centenas – de cidadãos brasileiros tiveram tolhido o seu direito de se manifestar sobre qualquer tema, graças à exclusão de suas contas em mídias sociais, violando tanto a liberdade de expressão quanto o princípio da proporcionalidade. E esse tipo de intervenção desproporcional continua a ocorrer mesmo depois da realização do pleito”.
E prossegue o editorial, com uma clareza cristalina: Esta “intervenção nada mínima” é uma violação evidente dos princípios constitucionais, diametralmente oposta à democracia que se pretende construir no país. “Não há democracia quando os cidadãos se veem em estado de constante insegurança sobre o que podem ou não dizer, e críticas ou perguntas que desagradem um político ou um juiz podem render um cala-boca (aquele que já havia morrido, nas palavras de Cármen Lúcia) na forma da proibição de qualquer manifestação nas mídias sociais. Não há democracia quando conversas privadas sem qualquer espécie de conspiração ou incitação ao crime dão margem para quebras de sigilo e bloqueios de contas bancárias. Não há democracia quando um tribunal ressuscita a censura prévia. Muito do que foi feito ao longo deste período eleitoral fez do Brasil não um Estado Democrático de Direito, mas algo próximo de um estado de exceção”.
Não se combatem fake news com censura, limitações à liberdade de expressão e prisões arbitrárias e ilegais. Quem vai dizer o que podemos ou não consumir? Quem vai definir o que é ou não fake news? O Estado? O ministro Moraes? Transferir para o Estado a tutela da liberdade é muito perigoso. Nós vivemos isso na ditadura militar. Ninguém quer uma ditadura camuflada.
Estamos assistindo à desconstrução da liberdade de expressão. Atualmente, qualquer ofensa, real ou imaginária, passa a ser resolvida em clima de rito sumário. O ministro “ofendido”, como se não fizesse parte de um poder democrático, assume o papel de polícia, promotor e juiz da própria causa. É exatamente isso que, atônitos, estamos vendo no chamado inquérito das fake news.
Os fatos comentados nesta coluna são tão estarrecedores quanto a condescendência omissa e silenciosa dos políticos e de muitos formadores de opinião. Não se dão conta de que a transigência com valores inegociáveis termina, sempre, na morte das liberdades.
O fato é que, objetivamente, o nível de repressão à liberdade de expressão adotado antes, durante e depois do período eleitoral – censura, censura prévia, desmonetização, proibição de criação de perfis, proibição de fatos sabidamente verdadeiros – nos colocou mais perto das nações autocráticas que das nações livres. Opiniões perfeitamente legítimas em um regime de liberdade foram banidas pelo aparato judicial brasileiro.
Caros ministros do STF, conversem, revejam posições e pensem no bem maior do Brasil.
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