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O presidente Juscelino Kubitschek inaugura fábrica da General Motors em São José dos Campos (SP), em 1959.
O presidente Juscelino Kubitschek inaugura fábrica da General Motors em São José dos Campos (SP), em 1959.| Foto: Domínio público/Acervo Arquivo Nacional

Acredito no Brasil. Aposto na democracia. Considero que o diálogo honesto é sempre o melhor caminho para solucionar conflitos. Só ele é capaz de acomodar as abóboras em meio aos naturais solavancos da carroça política.

Minhas críticas ao ativismo judicial, à politização e aos excessos monocráticos de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal são construtivas. Não são e nunca serão um ataque à instituição. Refletem minha convicção da importância inestimável da corte na defesa da Constituição e da segurança jurídica.

Escrevo este artigo num ano desafiador. A temperatura das eleições municipais, um ensaio para o grande embate de 2026, vai sendo marcada por preocupante radicalização. Observa-se, mais uma vez, um país dividido pela incapacidade de estabelecer um diálogo que, ao fim e ao cabo, está na essência do exercício da política. É preciso recuperar a capacidade de conversar, de exercitar a forma mais simples da humildade: saber ouvir.

Os cidadãos têm saudade de um Brasil aberto, miscigenado, livre, sem repressões infundadas e à margem da lei. Querem respeito à Constituição, à liberdade de expressão e às leis. Estão cansados de uma corda permanentemente esticada e nostálgicos de uma liderança que seja capaz de devolver aos brasileiros a capacidade de sonhar com um projeto grande de país.

Há, estou certo, uma demanda por um estadista com autoridade, serenidade e capacidade de sonhar

O presidente Juscelino Kubitschek enfrentou dois levantes militares no amanhecer de seu governo. Sufocou a tentativa de golpe e anistiou os sublevados. Construiu Brasília. Depois, rasgou a floresta com uma obra grandiosa: a rodovia Belém-Brasília. Era um visionário. Tinha grandeza de alma. Nunca ficou aprisionado no rarefeito ambiente do nós contra eles. Há, estou certo, uma demanda por um estadista com autoridade, serenidade e capacidade de sonhar.

Vem-me à cabeça, mais uma vez, um livro que permaneceu um bom tempo na lista dos best-sellers do The New York Times: Um Cavalheiro em Moscou.  Seu autor, Amor Towles, apresenta com humor e leveza um elogio aos valores e tradições deixados para trás pelo avanço da história.

Nobre acusado de escrever uma poesia contra os ideais da Revolução Russa, Aleksandr Ilitch Rostov, “o Conde”, é condenado à prisão domiciliar no sótão do Hotel Metropol, lugar associado ao luxo e sofisticação da antiga aristocracia de Moscou. Mesmo após as transformações políticas que alteraram para sempre a Rússia no início do século 20, o hotel conseguiu se manter como o destino predileto de estrelas de cinema, aristocratas, militares, diplomatas, bon-vivants e jornalistas, além de ser um importante palco de disputas que marcariam a história mundial.

Mudanças, crises e questionamentos não paravam de entrar pelo saguão do hotel, criando um desequilíbrio cada vez maior entre os velhos costumes e o mundo exterior. Graças à personalidade cativante e otimista do Conde, aliada à gentileza típica de suas origens, ele soube lidar com a sua nova condição.

O clima é tenso, as relações vão se complicando, as ironias e os julgamentos precipitados contaminam o ambiente e a capacidade de dialogar vai desaparecendo no ralo das paixões humanas. Com sua experiência de vida, carregada de sabedoria, Rostov comenta com um de seus interlocutores: “Se um homem não dominar suas circunstâncias, ele é dominado por elas”. Uma pérola de realismo e de capacidade de liderança. Tem tudo a ver com o dramático momento que estamos vivendo.

Seria bom que nossas lideranças, muito especialmente os representantes do Judiciário, os políticos e os governantes meditassem no conselho do prisioneiro do Hotel Metropol. A perda de domínio das circunstâncias pode transformar a liderança em algo vazio, contestado e perigoso.

O bem comum não chega pela mão de salvadores da pátria. Ele é fruto de um consenso que demanda autoridade, serenidade e capacidade de negociação

Como já escrevi neste espaço opinativo, os ministros do STF não parecem realizar o quanto estão testando os limites da obediência e do respeito às autoridades instituídas, que são muito comuns e arraigados na população brasileira. Parecem não perceber que algumas de suas decisões e atos são cada vez menos vistos como justos, legítimos e constitucionais e podem provocar um desfecho muito perigoso: uma atitude crescente de enfrentamento e desrespeito à corte. Se o cidadão sente que o Estado não lhe representa, que afronta a Constituição em benefício de um grupo que o domina, e que crescentemente lhe oprime, pode cair na tentação da desobediência civil ou, pior, da transgressão. E isso é muito preocupante. O Brasil, um país polarizado e radicalizado, precisa recuperar a tranquilidade e a segurança jurídica.

A agressividade como forma de intimidação e de comunicação pode dar resultado no curto prazo. Mas desgasta, e muito, numa perspectiva de médio prazo. Provoca antipatia e acaba transferindo o controle da narrativa para as mãos dos que se apresentam como vítimas da comunicação metralhadora giratória. Em política, o mocinho pode virar vilão muito rapidamente. No mundo da pós-verdade, o que importa não é a objetividade dos fatos, mas a força emocional das percepções.

Saudade do diálogo, da liberdade, da tolerância. O bem comum não chega pela mão de salvadores da pátria. Ele é fruto de um consenso que demanda autoridade, serenidade e capacidade de negociação. O Brasil precisa de um estadista.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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