O surfista Italo Ferreira é carregado após conquistar o ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio.| Foto: Jonne Roriz/COB
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Natural de Baía Formosa, litoral sul do Rio Grande do Norte, Ítalo Ferreira se encantou pelo surfe aos 8 anos, mas só ganhou a primeira prancha aos 10. Antes disso, surfava com pranchas emprestadas dos primos ou usava as tampas das caixas de isopor do pai, que vendia peixe na cidade.

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Em entrevista cativante, logo após a conquista da medalha de ouro em Tóquio, Ítalo encarnou o perfil do brasileiro genuíno. “Eu vim com uma frase para o Japão: Diz amém que o ouro vem. Eu treinei muito nos últimos meses, mas só tenho que agradecer a Deus por tudo isso. Meu intuito é ajudar as pessoas e as famílias. Eu queria que a minha avó estivesse viva para ver isso. Sou muito feliz pelo que me tornei, pelo que fiz pelos meus pais. Sempre pedi para que o sonho fosse realizado e ele aconteceu”, disse o campeão olímpico.

Emocionou-me. Confesso. É o retrato perfeito da grande maioria dos brasileiros: Fé em Deus. Esforço, sacrifício, superação. Profundo sentimento de gratidão. Valores familiares arraigados. Generosidade que encanta.

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Este Brasil generoso, capaz de gerar um Ítalo Ferreira, um país aberto, diverso e tolerante está sendo fustigado e confrontado por agendas importadas e desagregadoras

A simplicidade do nosso medalhista suscita muitas reflexões. Na verdade, este Brasil generoso, capaz de gerar um Ítalo Ferreira, um país aberto, diverso e tolerante está sendo fustigado e confrontado por agendas importadas e desagregadoras.  Destaco, entre outras, a pressão das políticas identitárias. Não são nossas. Vêm de fora para corroer a alma nacional, substituindo a nação mestiça de 500 anos por uma nova realidade, formada por pretos e brancos, sem se reconhecer no seu passado, na sua história e na sua memória.

Como bem salientou Aldo Rebelo no seu magnífico livro O Quinto Movimento, “é como se nos dissessem: vocês permaneceram 500 anos em pecado, no erro da ideia da miscigenação, façam autocrítica, reconheçam o engano e se mirem na América, dividida em duas raças”.

Rebelo relata um episódio histórico sugestivo. No fim do inverno de 1944-1945, no front italiano, um pelotão da Companhia de Comunicações da Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi convocado e embarcado em caminhões para uma missão secreta.

Viajaram algumas horas, cada vez mais distantes da linha de fogo; chegando a Florença, desembarcaram em meio a um agrupamento de soldados de várias nacionalidades. Na verdade, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill ia inspecionar os preparativos para a grande ofensiva aliada contra a fortaleza do Eixo no Norte italiano.

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Chamou a atenção que o grupamento brasileiro era a única tropa multirracial, com brancos, loiros, morenos, mulatos, pretos, índios e até um nissei. Aquilo deixou todos abismados, perguntando como conseguiam manter um exército com aquela mistura, ao que o sargento Nilton Vasco Gondin, com forte sotaque alemão da cidadezinha de Selbach, no Rio Grande do Sul, respondeu: “nós somos assim”. Isso era e sempre foi o Brasil. Não podemos permitir que o ouro de nossa cultura multirracial seja destruído.

Um denominador comum sobressai em todos os projetos identitários: a divisão do Brasil em duas cores, os brancos e os não brancos, com os não brancos sendo considerados todos negros. A miscigenação, riqueza maior da nossa cultura, evaporou nos rarefeitos laboratórios dos legisladores.

Não podemos permitir que o ouro de nossa cultura multirracial seja destruído

O Brasil, como todos vivenciamos, nunca foi um país racista. Tem, como é óbvio, pessoas racistas. A cultura nacional sempre foi uma ode à miscigenação. As políticas compensatórias, certamente movidas pela melhor das intenções, produzirão, estou certo, um efeito complicado: despertarão o ódio racial e não conseguirão cauterizar a ferida da desigualdade. A reparação da injustiça, urgente e necessária, deve ser um abraço que une e congrega e não a promoção de uma luta racial que não tem a cara do Brasil.

Desníveis salariais entre brancos e negros não têm fundamento racista: ganham menos sempre os que têm menos escolaridade. Mecanismos sociais de exclusão têm como vítimas os pobres, sejam brancos, negros, pardos, amarelos ou índios. E o principal mecanismo de reprodução da pobreza é a educação pública de baixa qualidade. Só investimentos maciços em educação podem erradicar a pobreza.

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Ao tentar corrigir a injustiça que, historicamente, marcou milhões de brasileiros, cria-se um universitário de segunda classe, que não terá chegado à universidade por seus méritos. O combate verdadeiro ao racismo se trava no campo da justiça e não no terreno da ideologia e da politização.

Os negros brasileiros não precisam de favor. Precisam apenas ter acesso a um ensino básico de qualidade, que lhes permita disputar de igual para igual com gente de toda cor

Ademais, ao privilegiar etnias, a lei discrimina outros jovens brasileiros pobres que não se enquadram no perfil racial artificialmente desenhado pelo legislador.

Os negros brasileiros não precisam de favor. Precisam apenas ter acesso a um ensino básico de qualidade, que lhes permita disputar de igual para igual com gente de toda cor.

Não tem havido até agora verdadeiro debate a respeito das chamadas “ações afirmativas”. Ao contrário, a discussão foi interditada. Respira-se um clima de aparente unanimidade. É preciso, creio, buscar o caminho mais eficaz de fazer justiça. E, ao mesmo tempo, não deixar que nossa identidade cultural, nossa miscigenação, uma fonte de riqueza, tolerância e paz, seja sequestrada pela imposição de uma agenda ideológica importada.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]