Empurrado pela tecnologia, o mundo transforma-se em um ritmo frenético. As mudanças no jornalismo, ao contrário, vêm a conta-gotas. Nas redações, somos diariamente submergidos pela enganosa ideia de que para acompanhar o compasso das novidades que surgem do lado de fora é preciso, antes de mais nada, de um poderoso suporte financeiro. Não discordo que o dinheiro seja necessário. No entanto, algumas medidas capazes de reacender esse potente, mas sonolento motor da mídia independem de grandes fortunas.
Comecemos por derrubar os padrões culturais que há décadas ditam o trabalho nas redações. Na prática, dentre outras coisas, trata-se de entender que a produção da notícia começa pelo leitor. Nessa lógica, a audiência deixa de ser simples destinatária da informação para ser também sua proponente. Um processo fácil de ser descrito, mas, como em toda mudança de paradigma, altamente complexo em sua execução.
Nós, profissionais da imprensa, por mais absurdo e contraditório que isso possa parecer, nos acostumamos a trabalhar de costas para a audiência. Uma frase que circula na classe é que “jornalistas escrevem para jornalistas”. Ainda que dita quase sempre em tom de brincadeira, revela a sombria face da vaidade da nossa profissão. Será que, de fato, por vezes não temos esquecido nossa função social para buscar a admiração de colegas que, seguramente, terão acesso ao material que publicamos?
Os veículos não necessitam apenas de assinantes que nos paguem as contas. Desejamos o relacionamento porque nele encontramos a razão de ser de nossa profissão. Não existem jornalistas sem leitores
No jornalismo abalado pela avalanche digital e que aos poucos se reergue, não há lugar para a presunção. A única obsessão permitida são os leitores. Eles são a peça-chave do trabalho editorial. Precisamos descobrir quem são, suas demandas reais, suas circunstâncias, seus interesses. Precisamos confessar a nós mesmos, ruborizados, que desconhecemos seus rostos.
Por muito tempo, enquanto a publicidade ainda pagava as contas dos veículos, ter acesso ao perfil médio do leitor servia unicamente como suporte para a venda de anúncios. O levantamento ficava normalmente sob a responsabilidade das áreas comerciais e raras vezes chegava às redações a ponto de impactar o conteúdo. Com a queda da receita publicitária, o caminho da monetização mudou: os leitores deixaram de ser vistos como meros consumidores de produtos anunciados e passaram a ser considerados potenciais assinantes, futuros adeptos dos modelos de associação que se começam a vislumbrar pelas redações do mundo. O resultado financeiro dos veículos depende, agora, em grande parte, daqueles que não sabemos chamar pelo nome e com os quais não nos comunicamos.
Abrir canais de diálogo é outra forma simples e barata de fortalecer os vínculos com a audiência. A barreira para que isso seja feito é, uma vez mais, puramente cultural. A pesquisa Potencial de membership e de relacionamento com o público nas redações brasileiras, encabeçada pela Orbis Media Review, revelou que nem todos os profissionais da mídia estão completamente abertos ao contato com o público. Dentre os entrevistados, 11% afirmaram não ter o hábito de ler os comentários feitos pelos leitores sobre suas matérias. Outros 14% afirmaram que nunca responderam tais comentários e 17% não se lembravam de quando havia sido a última vez que o fizeram. A boa notícia é que porcentagem relativamente alta já demonstra ter incorporado o hábito: 14% haviam se comunicado com a audiência no mesmo dia em que estavam respondendo à entrevista e outros 21% afirmaram que naquela semana haviam entrado em contato com os leitores. O dado mais preocupante talvez seja o tempo que afirmam estar dispostos a dedicar a esta tarefa: 51% disseram que reservariam uma hora por semana. Muito pouco para quem tem agora uma necessidade vital de cativar o público.
Fortalecer os laços entre redação e audiência não deve ser entendido como uma estratégia utilitarista. Ações de motivação meramente financeira nesse campo nascem com os dias contados. Os veículos não necessitam apenas de assinantes que nos paguem as contas. Desejamos o relacionamento porque nele encontramos a razão de ser de nossa profissão. Não existem jornalistas sem leitores. Simples assim.
Demoramos muito para entender que o digital não era um concorrente em nosso setor. Ficamos mais preocupados em defender a sobrevivência dos meios tradicionais e, trancados em nossas convicções, não percebemos que todo o entorno passava por uma profunda transformação. Estávamos certos de que éramos essenciais na vida da sociedade. E, de fato, me parece que somos. Mas precisamos nos abrir para o público, para que também ele reconheça o valor do jornalismo que faz diferença em suas vidas. Desta vez, a solução parece depender apenas de nós. Precisamos correr. Do contrário, corremos o risco de perder o bonde da história.
Conversar com a audiência não é uma carga. É uma necessidade. E deve ser um prazer. Ouvir é preciso. Nossa ótica é, e deve ser, fiscalizadora. Frequentemente dura e contundente. Mas devemos aspirar em cada edição um toque de encantamento e de surpresa tão próprio do jornalismo propositivo. Façamos um brinde aos leitores.
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