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O jornalismo está fustigado não apenas por uma crise grave. Vive uma mudança cultural vertiginosa, intensa, mas fascinante. A revolução digital é um processo disruptivo. Quebra todos os moldes e exige uma baita reinvenção corporativa e pessoal. Quem não tiver disposição de mudar a própria cabeça, rápida e efetivamente, deve comprar uma rede e contemplar as belezas do mar. Aqui, no nosso mundo informativo, o desafio não admite olhar de retrovisor.
O jornalismo vai morrer? Não. Nunca se consumiu tanta informação como na atualidade. O modelo de negócios está na UTI. A publicidade tradicional evaporou. E não voltará. Além disso, perdemos o domínio da narrativa. O modo de produzir informação e o diálogo com o consumidor rompeu o modelo a que estávamos confortavelmente acostumados. As pessoas rejeitam intermediações – dos partidos, das igrejas, das corporações, dos veículos de comunicação.
O que fazer? Olhar para trás? Tentar fazer mudanças cosméticas? Fazer o papel ridículo das velhas de minissaia? Não. Precisamos olhar para frente e descobrir incríveis oportunidades. Mas é preciso, previamente, fazer uma autocrítica corajosa a respeito do modo com vemos o mundo e da maneira como dialogamos com ele.
O modo de produzir informação e o diálogo com o consumidor rompeu o modelo a que estávamos confortavelmente acostumados. As pessoas rejeitam intermediações – dos partidos, das igrejas, das corporações, dos veículos de comunicação
Na prática, entre outras coisas, trata-se de entender que a produção da notícia começa pelo leitor. Nessa lógica, a audiência deixa de ser simples destinatária da informação para ser também sua proponente. Um processo fácil de ser descrito, mas, como em toda mudança de paradigma, altamente complexo em sua execução.
Nós, os profissionais da imprensa, por mais absurdo e contraditório que isso possa parecer, nos acostumamos a trabalhar de costas para a audiência. Uma frase que circula na classe é que “jornalistas escrevem para jornalistas”. Ainda que dita quase sempre em tom de brincadeira, revela a sombria face da vaidade da nossa profissão. Será que, de fato, por vezes não temos esquecido nossa função social para buscar a admiração e sintonia de valores de colegas que, seguramente, terão acesso ao material que publicamos e postamos?
No jornalismo, abalado pela avalanche digital e que aos poucos e sofridamente se reergue, não há lugar para a presunção. A única obsessão permitida são os leitores. Eles são a peça-chave do trabalho editorial. Precisamos descobrir quem são, suas demandas reais, suas circunstâncias, seus interesses. Precisamos confessar a nós mesmos, envergonhados, que desconhecemos o rosto deles.
Abrir canais de diálogo, com sinceridade e verdadeiro interesse, é uma forma simples e barata de fortalecer os vínculos com a audiência. Passamos décadas certos de que éramos essenciais na vida da sociedade. E, de fato, parece-me que somos. Mas precisamos abrir-nos para o público, para que ele também reconheça o valor do jornalismo que faz diferença em sua vida.
Impõe-se colocar a audiência no centro do processo. Já não basta que definamos nós o que precisam os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer. Interagir com eles. Captar suas sugestões. Aceitar suas críticas. Abrir nossos espaços. O fenômeno das redes sociais estourou a bolha em que se confinavam alguns jornalistas que produziam notícias para muitos, menos para o seu leitor real.
Conversar com o leitor não é uma carga. É uma necessidade. E deve ser um prazer. Precisamos correr. Do contrário, corremos o risco de perder o momento da virada.
O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história
Penso que há uma crescente nostalgia de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma demanda reprimida de reportagem. É preciso reinventar o jornalismo e recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e a magia do jornalismo de sempre.
Jornalismo sem alma e sem rigor. É o diagnóstico de uma perigosa doença que contamina redações. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. É preciso dar novo brilho à reportagem e ao conteúdo bem editado, sério, preciso, isento. É preciso contar boas histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história.
Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos
Sucumbe-se, frequentemente, ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos.
É preciso encantar o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasil oficial e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência. Além disso, os consumidores estão cansados do baixo-astral da imprensa. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia. Ela também existe. E vende o produto. O cidadão que aplaude a denúncia verdadeira é o mesmo que se irrita com o catastrofismo que domina muitas de nossas pautas.
O papel da informação no conturbado momento nacional mostra uma coisa: o jornalismo está mais vivo que nunca.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos