Escrevo esta coluna no câmpus da Universidade de Navarra, na Espanha. Estou participando do VII Encontro Internacional do Programa de Graduados Latino-Americanos (PGLA). Um evento formidável com muitos colegas de prestígio no mundo da comunicação.
O cenário do consumo de informação preocupa. E muito. Exige reflexão, autocrítica e coragem. Todos, sem exceção, percebem que chegou para o jornalismo a hora da reinvenção.
A sociedade está cansada do clima de militância que tomou conta da agenda pública. Sobra opinião e falta informação. Os leitores estão perdidos num cipoal de afirmações categóricas e pouco fundamentadas, declarações de “especialistas” e uma overdose de colunismo. Um denominador comum marca o achismo que invadiu o espaço outrora destinado à informação qualificada: radicalização e politização. Trata-se de um fenômeno generalizado.
O jornalismo reclama alguns valores essenciais: amor pela verdade, paixão pela liberdade e uma imensa capacidade de sonhar e de inovar. Eles resumem boa parte da nossa missão e do fascínio do nosso ofício. Hoje, mais do que nunca, numa sociedade polarizada e intolerante, precisam ser resgatados e promovidos.
Os leitores estão perdidos num cipoal de afirmações categóricas e pouco fundamentadas, declarações de “especialistas” e uma overdose de colunismo
As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização da sociedade. Suscitam debates, geram polêmicas (algumas com forte radicalização) e exercem pressão. Mas as notícias que realmente importam, isto é, as que são capazes de alterar os rumos de um país, são fruto não de boatos ou meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito dentro de padrões de qualidade, algo que deve estar na essência dos bons jornais.
O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia.
Jornalismo independente reclama liberdade. Não temos dono. Nosso compromisso é com a verdade e com o leitor. Mas a reinvenção do jornalismo passa por uma imensa capacidade de sonhar. É preciso vencer comportamentos burocráticos, reconhecer a nossa crise e tratar de virar o jogo. O fenômeno da desintermediação dos meios tradicionais, por exemplo, teve precedentes que poderiam ter sido evitados, não fosse o distanciamento da imprensa dos seus leitores, sua dificuldade de entender o alcance das novas formas de consumo digital da informação e, em alguns casos, sua falta de isenção informativa e certa dose de intolerância.
Os leitores, com razão, manifestam cansaço com o tom sombrio das nossas coberturas. É possível denunciar mazelas com um olhar propositivo. Pensemos, por exemplo, na ignominiosa situação da corrupção. É preciso reverter um quadro que agride a dignidade humana, envergonha o Brasil e torna inviável o futuro de gerações. Não seria uma bela bandeira, uma excelente causa a ser abraçada pela imprensa?
Com seriedade e profundidade, e não como consequência do jogo político. Em vez de ficarmos reféns do diz-que-diz, do blablablá inconsistente, das intrigas e da espuma que brota nos corredores de Brasília, que não são rigorosamente notícia, mergulhemos de cabeça em pautas que, de fato, ajudem a construir um país que não pode continuar olhando pelo retrovisor.
Não podemos viver de costas para a sociedade real. Isso não significa ficar refém do pensamento da maioria. Mas o jornalismo, observador atento do cotidiano, não pode desconhecer e, mais do que isso, confrontar permanentemente o sentir das suas audiências. A verdade, limpa e pura, é que frequentemente a população tem valores diferentes dos nossos.
A imprensa de qualidade, séria e independente, é essencial para a democracia. E tudo isso, tudo mesmo, depende da nossa coragem e humildade para fazer a urgente e necessária autocrítica
A internet, o Facebook, o Twitter e todas as ferramentas que as tecnologias digitais despejam a cada momento sobre o universo das comunicações transformaram a política e mudaram o jornalismo. Queiramos ou não. Precisamos fazer a autocrítica sobre o nosso modo de operar. Não bastam medidas paliativas. É hora de dinamitar antigos processos e modelos mentais. A crise é grave. Mas a oportunidade pode ser imensa.
A violência, a corrupção, a incompetência e a mentira estão aí. E devem ser denunciadas. Não se trata, por óbvio, de esconder a realidade. Mas também é preciso dar o outro lado, o lado do bem. Não devemos ocultar as trevas. Mas temos o dever de mostrar as luzes que brilham no fim do túnel. A boa notícia também é informação. A análise objetiva e profunda, sem viés ideológico, é uma demanda dos leitores. E, além disso, é uma resposta ética e editorial aos que pretendem tornar o jornalismo refém da fácil cultura do negativismo.
A imprensa de qualidade, séria e independente, é essencial para a democracia. E tudo isso, tudo mesmo, depende da nossa coragem e humildade para fazer a urgente e necessária autocrítica. Não bastam medidas paliativas. É hora de dinamitar antigos processos e modelos mentais ideológicos. A crise é grave. Mas a oportunidade pode ser imensa.
Chegou a hora do jornalismo propositivo. Aquele que não se limita a mostrar os problemas, mas vai além: aponta alternativas e soluções.
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