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Não me canso de reafirmar meu respeito ao Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto instituição essencial da República. No entanto, as instituições não são abstrações. Encarnam-se nas pessoas concretas que a compõem. A credibilidade da corte depende, e muito, das atitudes dos seus integrantes. É a base da legitimidade. Perdida a credibilidade, queiramos ou não, abre-se o perigoso atalho para o questionamento da legitimidade.
O STF, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer a sua credibilidade. É hoje, lamentavelmente, uma das instituições com maior rejeição. E isso é um grave risco para a democracia.
O último solavanco institucional, forte e surpreendente, foi motivado por uma ameaça feita pelo ministro Alexandre de Moraes. Apesar de sua boa formação jurídica, Moraes tem manifestado uma impulsividade autoritária que conspira contra a serenidade que se espera da corte suprema.
No mesmo julgamento em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) absolveu, por unanimidade, a chapa formada por Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão em ações impetradas pelo PT, o ministro Alexandre de Moraes deu mais uma demonstração de que os tribunais superiores seguem bastante dispostos a agir, na oportuna expressão de editorial do jornal Gazeta do Povo, “como ‘editores da sociedade’, relembrando infeliz comentário do ex-presidente do TSE Dias Toffoli. Moraes, que também é membro do Supremo e se tornará presidente do TSE um mês antes das eleições de 2022, prometeu cassar e prender quem ‘repetir o que foi feito em 2018’, em alusão a um suposto crime cujas provas, ao menos a sua gravidade, nenhum ministro reconheceu no julgamento da chapa mencionada”.
Apesar de sua boa formação jurídica, Alexandre de Moraes tem manifestado uma impulsividade autoritária que conspira contra a serenidade que se espera da corte suprema
“Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado. E as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil (...) Nós podemos absolver aqui, por falta de provas, mas sabemos o que ocorreu. Sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso ocorra. Não podemos criar um precedente, olha tudo que foi feito vamos passar o pano. Porque essas milícias digitais continuam se preparando para disseminar o ódio, para disseminar conspiração, medo, para influenciar eleições, para destruir a democracia (...) Houve disparo em massa. Houve financiamento não declarado para esses disparos. O lapso temporal pode ser impeditivo de uma condenação, mas não é impeditivo da absorção, pela Justiça Eleitoral, do modus operandi que foi realizado, e que vai ser combatido nas eleições 2022”, afirmou o ministro.
Segue o editorial da Gazeta: “Ora, se não há provas, não há como se admitir que um magistrado afirme de forma tão categórica que ‘sabemos o que ocorreu’. Se há provas, mas elas não foram consideradas graves o suficiente para cassar uma chapa, como é possível prometer que, no ano que vem, o mesmo procedimento resultará em cassação e até mesmo prisão?”
Alexandre de Moraes, em que pese meu respeito por sua pessoa e pelo cargo que ocupa, é, hoje, um dos ministros cujas ações mais têm contribuído para corroer as liberdades democráticas no Brasil, graças à sua condução dos abusivos inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e das “milícias digitais”. Diz a Gazeta: “O verdadeiro problema, que está implícito nas falas de Alexandre de Moraes, é que o Judiciário parece disposto a se tornar o que não pode ser: árbitro do que é manifestação de opinião ou do que é fake news”.
A rigor, o inquérito das fake news não poderia ter sido sequer instaurado, pois tem como base o artigo 43 do Regimento Interno do STF, que estabelece: “Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”. Uma vez que as alegadas infrações à lei penal teriam consistido – não se sabe ao certo – em críticas, insultos e deboches sistemáticos dirigidos aos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes no ambiente das redes sociais, não há cabimento para a instauração desse inquérito.
A gravidade dos vícios de origem do inquérito tem sido unanimemente apontada por vários juristas, procuradores e estudiosos do Direito. A relativização disso em face de um problema que se procura combater significa, neste caso, o abandono completo do princípio de que os fins não justificam os meios. Se apenas porque o pretenso “inimigo” é alguém cuja conduta se considera muito reprovável nos damos ao luxo de abandonar não meras regras processuais, mas princípios basilares da justiça, impomos não uma vitória contra o erro, mas uma derrota ao Estado Democrático de Direito.
“Em um país onde já se instaurou, na prática, a existência do ‘crime de opinião’, no qual a perseguição ocorre sob o aplauso de parte da sociedade e de intelectuais e jornalistas, e em que repressão se dá apenas contra um lado, a carta branca para a Justiça Eleitoral agir como promete Alexandre de Moraes será uma ameaça à democracia muito maior que aquela que o ministro diz querer combater”, conclui o editorial da Gazeta. Na prática, a censura e a autocensura, fruto do medo da retaliação, já são tristes realidades. E exigem firme condenação.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos