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Carlos Alberto Di Franco

Carlos Alberto Di Franco

Teto de gastos, uma reflexão

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes. (Foto: Marcos Correa/Presidência da República)

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Após o governo anunciar uma aparente contornada no teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil de R$ 400 até o fim de 2022, o mercado passou a projetar forte aumento na taxa de juros para segurar a inflação, o que poderia travar o crescimento econômico. Após perder quatro integrantes de sua equipe, o ministro Paulo Guedes negou que iria deixar o governo. Ao lado do presidente Jair Bolsonaro, afirmou que não queria furar o teto de gastos, mas não poderia deixar as pessoas passarem fome.

A repercussão foi intensa. E é compreensível. O populismo é um filme bem conhecido no Brasil. E não deixa saudade. Mas será que o anúncio do governo não mereceria uma análise menos visceral e mais racional? Foi o que fez o ex-presidente Michel Temer em recente artigo no jornal Folha de S.Paulo. Com a autoridade de quem promoveu a emenda constitucional que estabeleceu o teto de gastos públicos, Temer analisou, com serenidade e realismo, o contexto econômico e social que o país vivencia.

“Quero registrar que o teto fornece credibilidade fiscal interna e internacional. Daí porque não se pode pensar em alterá-lo ou, se quiserem, ‘furá-lo’ ao fundamento de que é preciso atender aos vulneráveis”, afirmou. Mais adiante, com a experiência de quem sabe o que é administrar com a dura limitação do cobertor permanentemente curto, afirmou: “A emenda prevê a hipótese de calamidade pública. E aqui vem a pergunta: vive-se ou não a hipótese dessa calamidade em face da angustiante pobreza existente no país, agravada pela pandemia e ainda subsistente?” Afinal, temos mais de 20 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. O que fazer? Virar as costas e fazer de conta que o drama não existe?

O populismo é um filme bem conhecido no Brasil. E não deixa saudade. Mas será que o anúncio do governo não mereceria uma análise menos visceral e mais racional?

Temer, criador e defensor do teto de gastos, lembra que um dos princípios fundamentais da nossa Constituição é a “erradicação da pobreza”. E conclui com uma dose de realismo: “Sei que estou levando essa interpretação às últimas consequências, mas ela tem duas vertentes sistêmicas: de um lado, reconhece que é ‘calamitosa’ a realidade do pauperismo brasileiro; de outro, aplica regra constitucional que não elimina o teto de gastos públicos. Portanto, atende aos vulneráveis e, ao mesmo tempo, mantém íntegro o dispositivo constitucional assegurador do teto. Somente assim demonstraremos ao mercado interno e internacional a nossa seriedade fiscal e a nossa preocupação com a pobreza”, concluiu o ex-presidente.

O tema não pode ser tratado em clima de Fla-Flu. É preciso aprofundar e, sobretudo, contextualizar. Olhar para o Brasil real, um país pobre, fustigado pela pandemia e suas imensas consequências sanitárias, econômicas e sociais. Muita gente perdeu o emprego. Muitos negócios, sobretudo médios e pequenos, foram descontinuados.

O quadro assustador, uma bomba-relógio de graves consequências sociais e humanitárias, não se resolve com posições fechadas ou recorrendo à síndrome de transferência de responsabilidades. Todos são responsáveis: Executivo, Legislativo e Judiciário. A voracidade da máquina estatal não está apenas no Executivo. Ela cresce também, forte e destemperada, no Legislativo e no Judiciário.

E nós, jornalistas e formadores de opinião, temos uma parcela importante de responsabilidade. Chegou para todos, sem exceção, a hora da análise serena e propositiva. É preciso criar um grande debate a respeito do tamanho do Estado.

Defendo, com entusiasmo, o conceito de jornalismo propositivo: aquele que não fica na denúncia, mas avança no terreno das soluções, aposta na análise aprofundada, no debate plural e no diálogo civilizado.

A voracidade da máquina estatal não está apenas no Executivo. Ela cresce também, forte e destemperada, no Legislativo e no Judiciário

Reproduzo aqui um e-mail de Raul Cutait, professor da Faculdade de Medicina da USP e cirurgião do Hospital Sírio-Libanês. Aproveitando um artigo meu, ele fez uma analogia interessante entre o jornalismo e a medicina: “Ao ler seu artigo,ocorreu-me imediatamente a analogia do jornalismo propositivo com a atividade médica. O jornalismo em busca das verdades e dúvidas, da informação, do que aflige e do que conforta, do que anima e traz esperança, equivale à busca de um bom diagnóstico. Assim como este deve ser seguido de propostas ou medidas terapêuticas, creio que o jornalismo propositivo, como bem colocado em seu artigo, sempre que possível deve fazer parte do ‘pacote’. Aliás, acredito que, atualmente, mais do que nunca, a imprensa escrita é valorizada por articulistas que não só escrevem sobre os acontecimentos, mas propõem caminhos ou soluções para os temas abordados”. Falou tudo. Não se trata, por óbvio, de editorializar, mas de destrinchar os problemas e mostrar as consequências das eventuais decisões.

Em tempos de ansiedade digital, a reinvenção do jornalismo reclama revisitar alguns valores essenciais: amor pela verdade, paixão pela liberdade e uma imensa capacidade de olhar o mundo com alma de repórter. Hoje, mais do que nunca, numa sociedade polarizada e intolerante, tais valores precisam ser resgatados e promovidos.

Precisamos olhar para as nossas coberturas e nos questionarmos se há valor diferencial no que estamos entregando aos nossos consumidores.  Impõe-se um jornalismo menos anti e mais propositivo.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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